quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Expiação

Há momentos – delirantes, lânguidos, românticos – em que “Expiação” parece ter características próprias de um filme clássico. No entanto será que a sua trágica e épica história de amor é demasiado opaca, inerentemente enigmática, de modo a não despoletar os mecanismos necessários a uma divulgação vencedora? Não. De facto, “Expiação” foi um sucesso. O nomeado para Melhor Argumento Adaptado Christopher Hampton e o realizador Joe Wright – que incompreensivelmente não recebeu a nomeação para Melhor Realizador – decerto tornaram o romancista Inglês Ian McEwan orgulhoso da versão espectacular que puseram no ecrã do seu livro “Atonement”.

Antes da grande noite começar, “Expiação” já tinha recebido dois BAFTA (Best film, Best Production Design) e dois Golden Globes (Best Motion Picture Score, Best Original Score). No encerrar da cerimónia, levou apenas a estatueta de Melhor Banda Sonora Original composta por Dario Marianelli (“V for Vendetta”). Embora tivesse sido aclamado como favorito, a ascensão súbita do filme de Paul Thomas Anderson “Haverá Sangue e deEste País Não é Para Velhosdos irmãos Coen, deitou por terra qualquer esperança da longa-metragem de Joe Wright arrebatar o galardão principal. No entanto, não há margem para dúvidas acerca da qualidade artística e técnica do filme.

Abaixo podemos observar duas sequências, não por serem pedras basilares no avanço da narrativa, mas pela sua beleza e essências antagónicas.

A primeira é fundamental para o desenvolvimento da intriga amorosa das personagens Cee (Keira Knightley) e Robbie (James McAvoy). Cee representa a filha subproduto modernista dos golden twenties e Robbie o sentimento de apego às tradições. Ambos diferem pela sua condição social e, mais que a propósito, é ele que ao por a ária “O Soave Fanciulla” (acto I de “La Bohème” de Puccini) dá a entender, embora em espaços disjuntos, os seus sentimentos. Trata-se de um prelúdio, uma declaração do novo amor encontrado e um rito de iniciação sexual desenvolvido pelo diálogo imaginário que travam um com o outro, num magnífico encontro dado pelo jogo de espelhos e a máquina de escrever e que termina, então, com Cee a retirar do armário um vestido verde – simbolizando o vigor e a frescura da juventude – em alternativa ao vestido negro, representado assim como o distanciamento da sofisticação e do luxo que viria a acontecer. Tal como em “La Bohème”, o final não poderia ser outro senão trágico.

O segundo momento que marca o filme é, como já se sabe, o soberbo plano sequência em que Joe Wright sobrevoa através da violência e do caos provocados por soldados revoltados/felizes (?), à espera de embarcar na praia de Dunquerque. Toda a felicidade do rosto de Robbie é apagada quando se depara com tal cenário, uma camuflagem à representação icónica do desespero e podridão humana face à guerra.

Pedro Xavier

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

80ª Edição dos Óscares - Análise e Vencedores

O texto seguinte foi publicado no blog Deuxieme a 25 de Fevereiro de 2008, com o título: «A Pluralidade dos Óscares».

A 80ª edição dos Óscares – que tratou de premiar os melhores filmes de 2007 – ocorreu ontem no Kodak Theatre, uma vez mais, com grande pompa e circunstância. Jon Stewart foi o anfitrião da cerimónia, que foi uma das mais curtas (cerca de 3 horas e 15 minutos), mas soube agarrar o seu papel e proporcionou-nos vários momentos bons de televisão (a cena do iPhone com o Lawrence da Árabia e o “Óscar Bebé” e as suas nomeadas e vencedora foram delirantes). Perante um constante elogio e referência às edições anteriores, este, contudo, é (mais) um ano de viragem e de novas realidades.

O ponto mais importante centra-se na questão pluralista da arte que é celebrada e homenageada. Cada vez mais as grandes distribuidoras em Hollywood repensam a indústria, e todo o seu conceito do “That’s Entertainment!”, que adquire hoje novas formas criativas, como a noite passada nos demonstrou. Se é certo que o cinema americano ocupa o mais importante papel na sétima arte a nível de espectáculo e “showbizz”, é então certo que todas as escolas e formatos cinematográficos do resto do mundo fazem falta para marcar presença neste grande conceito. Nessa medida, é notório o crescimento plural nas várias áreas do cinema, ou seja é cada vez maior (e mais importante) a influência exterior artística – a nível do visual, da escrita, da representação e outras categorias – dentro do próprio cinema dito “americano clássico”, que se reinventa a cada ano sobre diversas formas (Haverá Sangue, Este País Não É Para Velhos e No Vale de Elah são os mais recentes exemplos a ter em conta).

Como tal, é com alegria que vemos Javier Bardem dirigir o seu (justíssimo) prémio para Espanha, país de grande cinema e autores; por isso também nos comovemos com a alegria inesperada de Marion Cotillard a receber o mais alto prémio feminino, num registo fílmico “poeticamente europeu”. Preferências de parte, contava com a consagração de Paul Thomas Anderson no prémio para melhor obra, sobretudo porque acho que Haverá Sangue "seria" o "justo" vencedor. No entanto, é-me impossível empregar a palavra "justo" desta forma, pois Este País Não É Para Velhos é uma obra-prima (possivelmente o melhor filme dos Coen, seguido de Sangue por Sangue e Fargo), e o prémio assenta-lhe que nem uma luva. Na verdade, não existia nenhum nomeado que não merecesse a estatueta dourada na categoria de Melhor Filme.

Em suma, Hollywood já não se faz valer exclusivamente da “prata da casa”, e reconhece, sem limites nem precedentes, a vida cinematográfica da actualidade, sem constrangimentos nacionais, ideológicos, religiosos ou políticos. E tudo isso nos encaminha para um futuro cada vez mais promissor, onde se alargam fronteiras e horizontes sobre o mundo do cinema. Por tudo isto, ontem foi-nos relembrado que os Óscares, se dúvidas houvesse, não são americanos, são do mundo inteiro.

Aqui vos deixo os Vencedores da 80ª Cerimónia:

Melhor Filme: Este País Não É Para Velhos
Melhor Actor Principal: Daniel Day-Lewis
Melhor Actriz Principal: Marion Cotillard
Melhor Actor Secundário: Javier Bardem
Melhor Actriz Secundária: Tilda Swinton
Melhor Realização: Joel e Ethan Coen
Melhor Argumento Original: Juno
Melhor Argumento Adaptado: Este País Não É Para Velhos
Melhor Fotografia: Haverá Sangue
Melhor Montagem: Ultimato
Melhor Direcção Artística: Sweeney Todd
Melhor Guarda-Roupa: Elizabeth - A Idade do Ouro
Melhor Caracterização: La Vie en Rose
Melhor Banda Sonora Original: Expiação
Melhor Canção Original: Once
Melhor Sonoplastia: Ultimato
Melhor Edição de Som: Ultimato
Melhores Efeitos Especiais: A Bússola Dourada
Melhor Filme de Animação: Ratatui
Melhor Filme Estrangeiro: Os Falsificadores
Melhor Documentário: Taxi to the Dark Side
Melhor Curta Documental: Freeheld
Melhor Curta Acção: Le Mozart des Pickpockets
Melhor Curta Animação: Peter & the Wolf
Óscar Honorário: Robert Boyle


Francisco Toscano Silva

A Minha Vida Sem Mim


O título original deste filme, My Life Without Me, de alguma forma ficou na minha memória, de todas as vezes que passei por ele (no clube de vídeo? na FNAC?). Cativou-me. Capturou a minha atenção. Decidi que tinha de vê-lo.

O argumento, adaptado do conto Pretending the bed is a raft, de Nanci Kincaid, pode ser tido como um banal cliché (a personagem que descobre que está a morrer e decide mudar radicalmente a sua vida e a forma como a encara); mas é exactamente por isso que condeno terminantemente qualquer pressuposto: nada como "ver para crer".

Ann, a personagem principal, brilhantemente interpretada por Sarah Polley, vive uma vida modesta de dona-de-casa, com as suas duas filhas e o seu marido Don (Scott Speedman). Depois de desmaiar, Ann vai ao hospital e descobre que tem um cancro no útero e que lhe restam apenas dois meses de vida. Tentando manter a cabeça fria, decide esconder a doença de toda a gente e faz uma lista de coisas que quer fazer antes de morrer.

Poderia pensar-se que o filme é uma tragédia, tendo em conta que estamos cientes que Ann não tem qualquer hipótese de sobreviver ao cancro. No entanto, julgo tratar-se exactamente do contrário: embora seja muito triste, a história não é sobre a morte; é, antes, sobre a alegria de viver e tudo aquilo que isso possa implicar. É sobre o desejo de agarrar todas as oportunidades que a vida nos dá. A morte é apenas o fio condutor.

O filme conta ainda com a presença de Amanda Plummer (do inesquecível Million Dollar Hotel de Win Wenders), Leonor Watling (mais uma musa de Almodóvar), Deborah Harry (mais conhecida como Blondie), a nossa Maria de Medeiros e o grande Mark Ruffalo.

Esta belíssima viagem pelas mais diversas emoções de uma condenada, é simplesmente arrebatadora.

Com catorze prémios dos mais diversos festivais, este filme mostra-nos a mestria de fazer coincidir a poesia do guião e das falas com as mais belas composições do quadro (planos).

E nada mais comovente que ouvir God Only Knows pela voz dócil de Sarah Polley.

Por fim, há que sublinhar a força das falas deste guião (soberbo). Em particular, todas as que nos são apresentadas em voz off (daí que o trailer seja tão bem conseguido, tendo estado nomeado para um prémio). Deixo aqui algumas quotes.

"Ann: Alone. You're alone. You've never been so alone in your whole life. "

"Ann: Now you feel like you wanna take all the drugs in the world, but all the drugs in the world aren't gonna change the feeling that your whole life's been a dream and it's only now that you're waking up."

"Ann: Nobody thinks about death in the supermarket. "

"Ann: [letter] Life is so much better than you think, my love. I know because you managed to fall in love with me even though you saw, what was it, you said 10%? Five maybe? Maybe if you'd seen it all, you wouldn't have liked me. Or you would have liked me in spite of everything. I guess we'll never know..."

"Ann: You don't know who or what you're praying to, but you pray. You don't even regret the life that you're not gonna have, because by then you'll be dead. And the dead don't feel anything. Not even regret."

"Ann: You pray that this is your life without you. "

"Ann: [off] This is you. Eyes closed, out in the rain. You never thought you'd be doing something like this, you never saw yourself as, I don't know how you'd describe it... Is like one of those people who like looking up at the moon, who spend hours gazing at the waves or the sunset or... I guess you know the kind of people I'm talking about. Maybe you don't. Anyway, you kind of like being like this, fighting the cold, feeling the water seep through your shirt and getting through your skin. And the feel of the ground growing soft beneath your feet. And the smell. And the sound of the rain hitting the leaves. All the things they talked about in the books you haven't read. This is you, who would have guessed it? You."

"[Ann writes in journal]

THINGS TO DO BEFORE I DIE.

1. Tell my daughters I love them several times.

2. Find Don a new wife who the girls like.

3. Record birthday messages for the girls for every year until they're 18.

4. Go to Whalebay Beach together and have a big picnic.

5. Smoke and drink as much as I want.

6. Say what I'm thinking.

7. Make love with other men to see what it's like.

8. Make someone fall in love with me.

9. Go and see Dad in Jail.

10. Get false nails. And do something with my hair. "

8/10

Loved it!

Sara Toscano

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Elizabeth: The Golden Age

Quando se falou de “Juno” referiu-se a mais do que merecida nomeação de Ellen Page para o galardão de Melhor Actriz nos prémios da Academia. Entre as outras actrizes nomeadas está Cate Blanchett.

Quase uma década depois do impressionante e inesperado sucesso em “Elizabeth” (1998), Cate Blanchett repete o papel da monarca inglesa mais retratada na história do cinema. “Elizabeth: The Golden Age” é há já muito tempo a sequela que Shekhar Kapur tanto esperava realizar, mas (uma vez mais) é Blanchett que molda o filme à sua forma.

A história recomeça em 1585. Elizabeth enfrenta a ameaça de Filipe (Jordi Molla) - rei de Espanha - e de toda a igreja Católica, que pretendem retirá-la do trono e substituí-la por Mary (Samantha Morton), rainha católica dos Escoceses. Enquanto Filipe constrói uma armada, conspiradores Ingleses elaboram o seu plano para retirar Elizabeth do poder. A força de Elizabeth nasce da sua vulnerabilidade e esta advém do seu complexo relacionamento com o aventureiro Sir Walter Raleigh (Clive Owen), um nobre adequadamente carismático que traz tesouros do Novo Mundo. Nos momentos de intimidade, permite que a rainha virgem lhe revele o desejo oculto de normalidade – um desejo de amar, casar e ter filhos. A preparação para a tentativa de invasão da armada Espanhola pode, no entanto, parecer um mero ruído de fundo enquanto Elizabeth luta contra as suas próprias inseguranças. Todavia, as cenas da batalha final são de uma grandeza estonteante.

Blanchett é mais uma vez incrível, particularmente quando liberta toda a sua fúria e temperamento. A actriz tem desenvolvido um percurso cuidadoso no que diz respeito à escolha das personagens. Ao trabalhar com conceituados realizadores – Martin Scorsese, Wes Anderson, Richard Eyre, Alejandro Iñarritu, Peter Jackson, Steven Soderbergh – já conseguiu arrecadar inúmeros prémios e 5 nomeações para os Oscar, das quais já levou um para casa pelo seu papel em “O Aviador” (2004). Este ano, apesar do seu desempenho, não se espera que leve mais outra estatueta na categoria principal. Prevê-se que a recompensa virá por ter representado um heterónimo do já lendário cantor e compositor norte-americano Bob Dylan em “I’m Not There”, de Todd Haynes.

Voltando ao filme, infelizmente a sua beleza e a magnífica interpretação de Blanchett não chegam. Shekhar Kapur parece estar mais preocupado com o guarda-roupa – a outra nomeação para além da da actriz – do que com um desenvolvimento mais sustentado e aprofundado das personagens secundárias, que tornam as sub-intrigas pouco vigorosas. Resumidamente, “Elizabeth: The Golden Age” é um filme agradável mas muito menos sério e rigoroso que o seu predecessor.

6/10

Pedro Xavier

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Juno

A História

Juno (Ellen Page) é uma miúda invulgar cuja personalidade está de acordo com o seu primeiro nome. Chica-espera, espirituosa e demasiado madura para a sua idade – dezasseis aninhos – Juno vê-se confrontada com uma gravidez inesperada, após um encontro sexual com o seu melhor amigo Paulie Bleeker – estavam aborrecidos e tinham de arranjar maneira de fazer passar o tempo. Embora inicialmente se sinta mais inclinada para realizar um aborto, Juno decide não o fazer – convencida que o bebé já teria unhas – e a dar o filho para a adopção.

Esta decisão leva-a a confrontar o pai (J.K. Simmons) e a madrasta (Allison Janney) com a notícia – apenas porque esconder uma barriga durante nove meses seria impossível. Surpreendentemente, os pais recebem a notícia mais ou menos bem – lá bem no fundo sabiam-no mas ter-se metido nas drogas ou em álcool teria sido “menos mal”.

Á medida que o parto se aproxima, Juno receia que o seu relacionamento com Bleeker, por quem esteve sempre atraída mas negando ter sentimentos por ele - para além dos da amizade – se deteorize. Por esta altura, é obrigada a rever o seu compromisso de dar o seu filho aos pais adoptivos Vanessa (Jannifer Garner) e Mark (Jason Bateman), quando o casal parece não ser o potencial “casal perfeito” que julgava ser.

A Equipa

Eis o que se pode dizer após ver “Juno”: a guionista Diablo Cody (ex striper e blogger) é extremamente talentosa. Entende como as pessoas falam, como construir personagens envolvidas numa história atraente que, em vez de cuspirem diálogos inverosímeis, exclamam uma oralidade verdadeira; Jason Reitman provou que o sucesso do seu último filme “Thank You for Smoking não foi obra do acaso; por último, mas sem menor importância (pelo contrário!), Ellen Page é uma “força da natureza” da representação. Qualquer que seja o papel que venha a aceitar no futuro, Juno será sempre considerado como uma das suas melhores representações. Já tínhamos tido um “cheirinho” do potencial de Ellen Page em “Hard Candy” – uma personagem perturbadora, uma “capuchinho vermelho” mazinha - mas é em “Juno” que salta para outro nível, o campeonato das grandes actrizes.

O Veredicto

Em “Juno”, o cinema encontrou uma improvável e mitológica heroína. Simples mas complexa, bruta mas por vezes meiga, Juno é uma adolescente que triunfa por seguir os seus instintos na complicada fase que é a transição da adolescência para a idade adulta, sem ter qualquer mapa que a guie. Embora este ano não tenhamos os peso-pesados Martin Scorsese, Clint Eastwood e Steven Spielberg na corrida pelos Oscars, temos os irmãos Coen (“No Country for Old Men) e Paul Thomas Anderson (“There Will Be Blood) na luta pelos prémios principais. Poderão haver sempre surpresas – o prémio de melhor actriz seria justificadíssimo – mas, não as havendo, “Juno” já é um must see obrigatório (para adultos) e um dos melhores filmes de 2008.

10/10

Pedro Xavier

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Gone Baby Gone

Os detectives de pessoas desaparecidas Patrick (Casey Affleck) e Angie (Michele Monaghan) foram contratados para assistir a polícia de Boston na procura de Amanda, uma rapariga de quatro anos recentemente raptada. Tirando partido de vários contactos que não falam com a polícia, Patrick e Angie descobrem segredos sobre a família da menina, traficantes de droga do bairro e do detective Remy Bressant (Ed Harris).

Pergunta-se o seguinte: pode-se afirmar que o realizador Ben Affleck nos apresenta uma obra diferente e não um remake do filme que adapta a última obra de Dennis Lehane, “Mystic River” de Clint Eastwood?

Bem, sem ter a mesma elegância do filme de Eastwood, em última análise “Gone Baby Gone” faz uma óptima exploração daquele espaço vago e cinzento que está compreendido entre os meios e os fins. É um drama policial que vai muito mais além das noções de bem e mal – é um filme interessado em mostrar como as pessoas criam as suas próprias definições de justiça.

Tal como mostrou em “The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford”, Cassey Affleck tem uma excelente interpretação. O irmão Ben podia-lhe ter dado mais alguma carga dramática no seu relacionamento com Angie mas, no entanto, deu-lhe uma permanente e melancólica moralidade que não está de acordo com um mundo mais virado para os resultados em vez de olhar para a consciência.

Ben Affleck, como realizador, não faz um mau trabalho mas há momentos no filme - reviravoltas - que mereciam maior densidade dramática do que na realidade tiveram. Temos de nos lembrar que aconteceu algo realmente… importante.

5/10

Pedro Xavier

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Standing on the Shoulder of Giants

If I have seen farther than others, it is because I was standing on the shoulders of giants” – Sir Isaac Newton

Diz-se que Noel Gallagher viu a frase numa moeda de duas libras e, tendo gostado tanto, decidiu que seria o nome apropriado para o novo álbum dos Oasis. Escreveu o nome num pacote de cigarros e assim ficou.

A capa do disco é dada pela vista sobre Nova Iorque, do terraço do edifício Rockefeller. Também se podem ver outros edifícios tais como o Empire State Building e ainda as duas torres do World Trade Center. No terraço de um edifício menor encontram-se todos os elementos dos Oasis, mas já aqui voltamos.

Na altura do lançamento, há 8 anos atrás, previu-se que o novo álbum teria uma melhor receptividade que “Be Here Now” – o terceiro disco de originais da banda – pelo seguinte motivo: o interregno de três anos que permitiria aos gigantes do rock britânico evoluir e tomarem uma nova direcção musical.

O primeiro single, “Go Let it Out” foi uma introdução perfeita para a obra, a melhor até então - manteve-se o rock, mas ligeiramente diferente. E por que é que este é o melhor disco dos Oasis? Não quer dizer que tenha mais singles que os anteriores, nem que tenha passado os vídeos mais vezes na MTv mas de todos este é capaz de ser o mais consistente do início até ao fim. As faixas “Put Yer Money Where Yer Mouth Is” e “I Can See a Liar” dão-nos do melhor rock que os Oasis produzem, mas os pontos altos, aquelas que levam e concretizam a ambição de Noel pelo álbum perfeito são “Gas Panic” e “Where did it all go wrong?”. Sem precisarem de grandes letras…Que sinfonia, que ode ao rock ‘n roll! Temos ainda a alternativa “Who feels love?” e a acústica “Little James”.

Embora esperasse o melhor, o disco não teve boa receptividade por parte da crítica especializada. Até mesmo Noel confessou: “Even though it wasn't our finest hour, it's a good album born through tough times. I worked harder on that album than anything before and anything since.” Ao contrário do que pensa, adoptou a posição correcta: pôs-se cá em baixo, como na foto de capa, a olhar para o que os grandes fazem... para conseguir o seu melhor disco. A meu ver, já o fez.

Pedro Xavier

Viridiana (1961)

Inspirado por uma pintura de uma santa pouco conhecida e por uma fantasia erótica sobre como fazer amor com a rainha de Espanha enquanto ela estivesse drogada, Buñuel constrói o seu segundo filme da década de 60 – o primeiro foi “La Joven” – baseado, mais uma vez, em ideais espirituais que são eventualmente destronados pela estupidez humana.

Antes de tomar os votos piedosos, Viridiana (Silvia Pinal) é convocada para a casa do seu velho tio Don Jaime (Fernando Rey). Embora não o conheça bem, Viridiana implora à Madre Superior que a deixe ficar no convento, mas é-lhe lembrado que Don Jaime foi o seu benfeitor e que esta seria a última oportunidade para o visitar. Ironicamente, a Madre Superior sugere que Viridiana lhe mostre a sua afeição.

Ao que parece Viridiana teria uma intuição correcta ao não querer sair do convento, uma vez que o seu tio tem planos para ela e pede-lhe que fique na sua propriedade. Depois de explicar como a sua mulher faleceu na noite de casamento, consegue que Viridiana vista o vestido de casamento e, depois de a drogar com o auxílio da prestável empregada Ramona (Margarita Lozano), na manhã seguinte convence-a que tiveram relações sexuais, impedindo-a de voltar ao convento, pela vergonha. Mesmo assim, Viridiana parte mas é impedida de apanhar o autocarro pela notícia do suicídio do seu tio.

O velho aristocrata espanhol deixa em testamento a sua propriedade a Viridiana e ao seu filho Jorge (Francisco Rabal) – um verdadeiro contraste de caracteres. Enquanto Jorge é muito prático e com jeito para negócios, Viridiana pretende usar a mansão de família como abrigo para desalojados e vagabundos. Estes acabam por tirar vantagem da sua generosidade, que conduz o filme à sua sequência mais memorável – uma imitação hilariante da Última Ceia de Da Vinci acompanhada pelo Messias de Händel na orgia dos mendigos.

Embora o banquete de mendigos seja a cena mais notória do filme, há um número de outras cenas que também se destacam: o sonambulismo de Viridiana, a sua sexualidade reprimida ilustrada pela cena com a vaca leiteira e o fetiche de pés de Don Jaime. Mas a cena que mais se destaca é quando Jorge compra o cão a um camponês, de maneira a salvá-lo de maus tratos. Esta cena é retratada como uma anedota mas reforça a visão de Buñuel de como é impossível fazer uma diferença significativa neste mundo.

A cena mais marcante que escapou aos olhos mesquinhos da censura espanhola – por esta altura vive-se o franquismo em pleno e ao longo de todo o filme já foram abordadas explicitamente as questões do incesto e da violação – foi a cena final, onde é dada a ilusão de uma menage a trois.

Por esta altura Buñuel tinha 60 anos e nos últimos 10 anos tinha realizado cerca de 18 filmes. Fora quatro vezes a Cannes e já tinha sido entrevistado pelas melhores revistas de cinema. Com Viridiana teria uma entrada em grande nos sixties, com o pé direito

7/10

Pedro Xavier

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Suficientemente Platónico


Os grandes pensadores, em todas as épocas e por todos os cantos do Mundo, têm uma influência nas mentalidades que é impossível de negar. Grande parte deles são, maioria das vezes, visionários incontestáveis.

Platão, filósofo grego, discípulo de Sócrates, ocupou-se de temas como a metafísica, o conhecimento, a ética e a política, entre outros. Dele guardo, essencialmente, a convicção de que o Homem é corpo e alma; o corpo é a matéria, a alma o imaterial. Isto apenas em linhas muito gerais.

Tenho também presente a conhecida Alegoria da Caverna, que faz parte da obra 'A República'. Para aqueles que desconhecem esta simples parábola, vou resumir: um muro alto que separa o mundo exterior de uma caverna que, embora seja escura, tem uma fresta por onde entra um feixe de luz; no seu interior, seres humanos que ali se encontram desde sempre, acorrentados, de costas para a entrada, forçados a olhar para a parede; nessa parede são projectadas sombras de homens, que vêm do exterior; um dos prisioneiros consegue escapar daquela condição, sai da caverna e descobre que as sombras eram mesmo isso, meras sombras de pessoas como ele ou os companheiros; quando regressa à caverna e tenta convencer os outros a seguirem-lhe o exemplo, é morto.

À partida parece simples e de fácil compreensão, embora os significados maiores, escondidos nas entrelinhas (ou na capacidade intelectual de cada indivíduo) sejam complexamente inatingíveis. Acredita-se que Platão se referia a superstições do Homem, que o filósofo era representado na figura do fugitivo que quer atingir um conhecimento além daquele a que está condicionado. Que Platão mostrava como qualquer um, desejando, seria capaz de se libertar da escuridão através da luz da verdade..

Para mim, a alegoria tem outro significado implícito. Inconscientemente, Platão foi um visionário. A Alegoria da Caverna encerra os princípios básicos do cinema e da projecção.

Ora vejamos: a caverna escura representa a sala de cinema (e aqui não há muito a acrescentar); o feixe de luz é o que leva a imagem à tela que, por sua vez, é representada pela grande parede do fundo da caverna; os acorrentados serão os espectadores, presos às imagens que observam; as sombras são uma ilusão da realidade, tal como o cinema o é.

Há que acrescentar que, muitas vezes, o espectador gosta tanto daquela ilusão de realidade, que lhe custa abandonar a cadeira da sala e ter de voltar a enfrentar a Vida.

Esta interpretação da alegoria ficou na minha cabeça desde as aulas de Teoria da Imagem e da Representação e nunca mais me abandonou.

E não será isto suficientemente platónico?

Sara Toscano

Tropa de Elite

Missão dada é missão cumprida” – Capitão Nascimento

A cidade do Rio de Janeiro, no Brasil, é há muito tempo conhecida como uma cidade num precário equilíbrio à beira do caos. Uma cidade vibrante de música e de vida, é também uma das mais perigosas do mundo. A maioria da sua população vive num dos seus cerca de 70 guetos, também conhecidos como favelas, que são dominados por violentos gangs de droga e tráfico de armas.

Esses grupos fortemente armados entram diariamente em conflito com as forças policiais, muitas vezes fazendo dos habitantes da cidade vítimas apanhadas em fogo cruzado. Tendo a polícia de lidar com um financiamento precário, com a falta de equipamento e com o combate à corrupção interna, há uma maior facilidade dos gangs se tornarem reis e senhores das favelas, impedindo que a polícia circule à vontade. Face a esta lamentável situação, foi criada uma força paramilitar, o BOPE – Batalhão de Operações Policiais Especiais - encarregado de fazer a “limpeza” que a polícia não consegue fazer.

Escrito por Rodrigo Pimentel – um veterano do BOPE – “Tropa de Elite” é por vezes selvagem e chocante mas, em última análise, sobressai a crítica ao ciclo de violência que envolve o Rio. O filme foca-se no Capitão Nascimento (Wagner Moura), um capitão honesto e respeitado do BOPE. Já a prever o nascimento do seu primeiro filho, todos os dias se depara com o dilema moral de endireitar a sua vida e arranjar um sucessor digno para o seu perigoso cargo, de maneira a poder sair da Tropa. Isto leva-nos a uma intriga paralela ao fio condutor principal relacionada com dois polícias acabados de sair da academia, Neto e Matias. O problema está em encontrar as qualidades que possui num destes dois novatos, algo que parecem possuir apenas parcialmente.

Tropa de Elite” é um filme rápido e envolvente. Pode ser comparado ao “Cidade de Deus” (Fernando Meirelles), mas agora toda a problemática social das favelas é vista através dos olhos daqueles que defendem a lei e tentam impor a ordem. É empregada uma estrutura narrativa semelhante, capitulada por episódios, e uma narração aparentemente objectiva (mas não o é) que mantém o ritmo do filme elevado. E, como em “Cidade de Deus”, o realizador José Padilha não se inibe de mostrar a triste realidade que caracteriza e envolve polícias e criminosos: a cumplicidade.

Em “Tropa de Elite” é ilustrado um retrato da corrupção impregnada no sistema, que impede o bom funcionamento da justiça. Cada comandante de divisão tem o seu próprio esquema, seja por recolha de dinheiros ilícitos em bares de strip ou pela venda de armas confiscadas aos guerrilheiros das favelas. No entanto, apesar do BOPE apenas proclamar que só quer oficiais incorruptos nas suas fileiras, o filme mostra-os a usar tácticas de tortura e homicídio para obter informações. Sendo as ruas controladas pelos gangs, a única maneira de combater a sua violência passará por empregar ainda mais violência. Mas o objectivo do filme não é esse, mas sim chamar a atenção para a situação impossível que a sociedade brasileira se depara diariamente.

“Tropa de Elite” ganhou recentemente o Urso de Ouro em Berlim mas tem, por outro lado, sofrido inúmeras críticas. A conceituada revista Variety chama-lhe uma “celebração de violência” para “delinquentes fascistas”. Críticas parecidas teve “A Clockwork Orange (Stanley Kubrick) na altura da sua estreia mas hoje é considerado uma obra-prima do cinema. Portanto, aparte qualquer capa de falsos moralismos, …

Missão cumprida?

8/10

Pedro Xavier

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Ensaio sobre a Cegueira

"Cegueira também é isto, viver num mundo onde se tenha acabado a esperança."

"O mundo caridoso e pitoresco dos ceguinhos acabou, agora é o reino duro, cruel e implacável dos cegos."

O “Ensaio Sobre A Cegueira” é a história de uma misteriosa epidemia que causa “cegueira branca” e que se alastra numa cidade sem nome e por quase todos os seus habitantes. Entre os primeiros a ficar cegos está um oftalmologista e alguns dos seus pacientes, que são rapidamente detidos pelas autoridades e largados num já abandonado instituto para doentes mentais.

A mulher do oftalmologista conserva misteriosamente a visão mas, ao ponto de querer estar com o marido, finge estar cega de maneira a ser levada com ele. A partir deste momento torna-se uma testemunha (e uma janela para o leitor) dos horrores da epidemia, ajudando como pode os cegos que a rodeiam. Como a epidemia se alastra rapidamente e as instituições que regem a sociedade começam a falhar, o pequeno grupo de cegos liderados pela mulher do médico tem de se adaptar rapidamente de maneira a sobreviver às terríveis circunstâncias e consequências de um mundo sem visão. Por via dos acontecimentos, com o avançar da narrativa, as condições no asilo tornam-se degradantes e a moralidade começa a não existir. Será a moralidade uma capa turva sob a essência do ser?

Nesta belíssima alegoria escrita por José Saramago, trabalhada a dois níveis, está encerrada uma doutrina moral que vai mais além da cegueira física e das suas consequências: trabalha num plano espiritual ou metafísico, explorando o quão frágil o conceito de sociedade pode ser e o quão facilmente desabam os seus alicerces face ao desastre, seja ele de que origem for. É um exercício num cenário de “e se tal acontecesse”, no qual o escritor faz cair todo o conceito de sociedade, baseando-se principalmente nas situações reais que o ser humano tem de enfrentar – terramotos, tsunamis, incêndios – e que são capazes de destruição extraordinária.

Provavelmente o aspecto mais surpreendente da obra é o seu realismo e claustrofobia que é induzida no leitor. Ao longo de todo o livro, Saramago usa mais uma vez o seu estilo literário - longos parágrafos sem qualquer pontuação – mas, devido à temática da obra, encaixa-se perfeitamente nela, uma vez que num mundo de cegos ninguém sabe quem está a falar, misturando-se então a confusão da narração com a confusão do mundo ficcional. Por esse motivo, ‘a mulher do médico’, ‘o médico’, etc, é a maneira como as pessoas são referidas neste livro. Têm títulos, mas não têm nomes, tornando esta ausência numa obra mais universal.

A obra de José Saramago tem sido muitas vezes comparada com “A Peste”, do existencialista Albert Camus. Após ler as duas, a esta última falta-lhe a riqueza das descrições e as emoções do caos que o Ensaio tem. É, portanto, uma obra a não perder de vista.

"A alegoria chega quando descrever a realidade já não nos serve. Os escritores e artistas trabalham nas trevas e, como cegos, tacteiam na escuridão" - José Saramago

Pedro Xavier

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Alice (2005)

Envolvido num mundo penumbroso, enchendo Lisboa de nuvens cobertas, o filme segue um pai (Nuno Lopes) desesperado em busca da sua filha Alice, percorrendo todos os dias o mesmo percurso detalhado: de manhã distribui panfletos com a fotografia da filha; à tarde inspecciona e recolhe os vídeos de 11 câmaras de vigilância que tem espalhadas pela cidade, quer em casa de amigos, quer no topo de edifícios; pela noite, depois do trabalho (actor de teatro) visiona os vídeos simultaneamente em múltiplos televisores, na esperança de poder ver um lampejo da filha. Tem uma rotina obsessiva de maneira a manter aderente à sua sanidade a memória da filha.

Marco Martins está interessado em mostrar um filme em como as pessoas têm dificuldade em lidar com uma dor bastante profunda, mas a um nível íntimo e claustrofóbico, conseguindo combinar, ao mesmo tempo, um sentimento de esperança com o de exaustão permanente. Nuno Lopes consegue não dar à personagem um sentimento inferior ao da angústia, sempre que passa por todas as fases da sua obsessão, tornando palpável o estruturado e controlado desespero que tão dolorosamente é contrastado com a histeria da mulher Luísa (Beatriz Batarda).

Juntamente com o director de fotografia Carlos Lopes, Marco Martins pauta o seu filme com imagens sem sol que contribuem para um ambiente pós-traumático em que não parece haver separação entre os dias e as noites, sendo cada dia uma repetição do anterior. No meio de tal desolação, a música de Bernardo Sassetti desliza suavemente, aumentando a intensidade dramática de todo o ambiente.

Alice, o filme, é um poderoso estudo de dor intensa, mergulhado num profundo e convincente desespero. Certamente um dos melhores filmes produzido por terras lusas nos últimos anos.

8/10

Pedro Xavier

Christiane F.


Este conhecido pseudónimo, cedo ficou gravado na minha memória. Vera Christiane Felscherinow publicou Os Filhos da Droga em 1978. Até hoje, continua a ser a obra que mais me marcou em todos os sentidos.

A história é um relato de uma vida conturbada. As descrições são cruas e, talvez por isso, tão reais. A decadência inerente ao mundo da droga e da prostituição está muito vincada, chocando o leitor mas abrindo-lhe os olhos, ao mesmo tempo, para esta dura realidade.

Christiane dá-nos um retrato dos podres da sociedade moderna, uma sociedade fria e egocêntrica. Onde vale tudo. Especialmente para tentar enganar a solidão ou a tristeza.

A história é autobiográfica. Christiane, que nasceu e cresceu rodeada de maus sentimentos, acaba por conhecer as pessoas erradas, deixando-se arrastar para a dependência das drogas. Primeiro as leves (haxixe e LSD), depois a heroína. Para sustentar o vício, rouba e prostitui-se. A percepção que o leitor tem do quão miserável e insuportável se torna a sustentação de uma vida assim é terrivelmente real. Dói pensar que há casos assim, às vezes mais perto do que sonhamos.

As tentativas de recuperação da Christiane são louváveis, embora se saiba que nos dias de hoje, com perto de 50 anos, ainda não se conseguiu livrar do vício.

De qualquer forma, Os Filhos da Droga é uma obra a ser lida quase obrigatoriamente, se possível ainda durante a adolescência. Para que haja alguma consciência.


Sara Toscano

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Californication

Alguém no seu perfeito juízo terá alguma vez pensado que a vida de um escritor daria um tema tão interessante ao ponto de ser visto na tv? Enquanto, nos EUA, os líderes de várias igrejas lutam por expressar o seu descontentamento com a última incursão de David Duchovny na TV, nós aqui saltamos de contente por podermos desfrutar de mais uma belíssima série, produto do melhor que sai da indústria norte-americana. De onde vem, então, tal raiva exacerbada? De muitos exemplos… que tal dos primeiros minutos do episódio piloto, onde fica bem explícita uma cena de sexo oral entre o protagonista e uma freira?

Basicamente, Californication segue a vida bastante patética do escritor Hank Moody (David Duchovny), em estado de bloqueio criativo. Hank escreveu um best-seller intitulado “God Hates Us All” (Deus odeia-nos a todos), que hollywood conseguiu desfigurar num filme - ainda com mais sucesso - de título “A Crazy Little Thing Called Love”, com Tom e Katie nos papéis principais. A tudo isto ainda é acrescentada a traumática (para ele) separação da namorada de longa data (Natasha McElhone) que, por acaso, é a mãe da sua filha de 13 anos Becca (Madeleine Martin). O resultado é uma espiral descendente em que Hank se perde em bebida e encontros sexuais sem sentido.

David Duchovny consegue agrupar as fragilidades e as emoções atrapalhadas de Hank numa interpretação coesa e de sucesso, possivelmente a melhor oportunidade que teve para brilhar desde o enterro de Ficheiros Secretos. Com certeza, uma série a seguir.


Pedro Xavier

Haverá Sangue

O texto seguinte foi publicado no blog Deuxieme a 16 de Fevereiro de 2008, com o título: «Estreia da Semana (uma Obra-Prima a ver)».

Após as favoráveis críticas estrangeiras, Haverá Sangue (no seu original There Will Be Blood), o novo filme de Paul Thomas Anderson, chega finalmente às salas nacionais, e era um dos mais aguardados filmes para este ano, que concorre em várias categorias (8 nomeações, incluindo Melhor Filme e Melhor Actor) para a 80ª cerimónia dos Óscares (a acontecer no dia 24 deste mês).

No início do século XX, Daniel Plainview (o formidável Daniel Day-Lewis), um pequeno prospector de prata, descobre, através de uma dica, que a degradada cidade de Little Boston na Califórnia é um verdadeiro poço de petróleo, onde este “ouro negro” se revela à superfície. Confiante na sorte, Daniel viaja até lá com o seu filho H.W. (Dillon Frasier), e à medida que o negócio ganha uma notória prosperidade e o petróleo se confirma como um dom da natureza e um objecto de riqueza, Plainview, o seu filho e a religiosa comunidade fanática que os albergou, liderada por Eli Sunday (Paul Dano), vão viver as consequências do poder deste “sangue”, berço de conflitos e corrupção que os vai minar a todos a nível material e moral, num caminho sem retorno.

Para vos situar da magnitude desta peça de cinema, pego numa frase do crítico João Lopes para resumir, de forma muito concisa mas justa, o que temos pela frente: “Haverá Sangue é um dos filmes maiores do século XXI americano”, e mais não seria preciso escrever, pois é precisamente isso. Estamos, de facto, perante a estreia de um filme absolutamente fabuloso em todos os sentidos que o cinema encerra em si – na sua forma artística, na narrativa em forma de parábola, no sentido do drama histórico, na actual vertente temática, na qualidade da concepção e acabamento da obra - e toca a perfeição.

Baseado livremente no romance Oil!, de Upton Sinclair, Paul Thomas Anderson volta a demonstrar que é um grande realizador e contador de histórias, e como tal, o “sangue” do título identifica-se como o recurso natural oleoso, que em simultâneo adquire o seu sentido lato de líquido que nos corre nas veias: o realizador fala-nos do “sangue” que “corre” sobre a terra, sobre os homens, sobre a fé (Cristo) – e é neste triângulo dramático, interligado entre si, que nos fornece um filme de enorme riqueza, que se sobressai do panorama actual (onde este ano já figuram filmes fabulosos como No Vale de Elah, O Lado Selvagem ou The Darjeeling Limited) e nos deixa completamente extasiados ao longo de duas horas e meia de cinema em estado puro, numa realização soberbamente bem conseguida (o longo início do filme sem diálogos e o seu assombroso final são dois momentos que guardam já um lugar na história do cinema contemporâneo) e interpretações muito bem conseguidas – Day-Lewis é uma vez mais uma força da natureza – e ainda uma invulgar e notável banda sonora iminentemente narrativa, a cargo de Jonny Greenwood, guitarrista dos Radiohead. É, em suma, um filme obrigatório que marca desde já este ano, e todos os outros desde o nascimento da Sétima Arte. Uma verdadeira e original Obra-Prima.

10 /10 – Magnífico

Francisco Toscano Silva

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Os Tenembaums - Uma Comédia Genial (2001)


“I always wanted to be a Tenenbaum.” (Eli)

Pode haver algum perigo na atribuição de rótulos a realizadores tais como “peculiar”, “satírico” ou “fora do normal” após apenas um pequeno número de filmes feitos. O realizador Wes Anderson toma como seus todas estas características ao apresentar o filme The Royal Tenembaums.

Sinopse:

A abertura “Royal” do filme introduz o colorido leque de personagens: Royal (mais uma vez Gene Hackman no seu melhor) é um advogado que usa métodos bastante questionáveis e como pai sempre fugiu às suas responsabilidades; foi-lhe pedido para que saísse de casa, ainda quando os seus filhos eram pré-adolescentes. O pedido veio da mulher, Etheline (Angelica Houston), uma arqueóloga e mãe extremosa de três filhos – o empreendedor Chas (Ben Stiller), o jogador de ténis Richie (Luke Wilson) e a dramaturga Margot (Gwyneth Paltrow), adoptada aos dois anos de idade. Os três irmãos (todos considerados como génios nas diversas áreas), juntamente com o seu amigo de infância Eli (Owen Wilson) - um escritor frustrado que se arma e veste como cowboy de forma bastante vistosa – estão agora nos seus trinta anos e em estado depressivo, o que os levou a voltarem a viver com a mãe. O filme segue o patriarca Royal Tenenbaum que se tenta reconciliar com a família da única maneira que sabe – através do engano e da mentira. Justifica-se dizendo que está às portas da morte (na realidade está teso e sem um lugar para dormir), reunindo assim toda a família durante alguns dias. Esta é o cerne de todo o filme.

Este é um grupo escandalosamente farsante, em que cada membro – com a possível excepção de Etheline – está, de um modo ou de outro, gravemente perturbado. Os guionistas Wes Anderson (que também realizou o filme “Rushmore” brilhantemente traduzido para “Gostam Todos da Mesma”) e Owen Wilson criaram um estranho grupo de personagens desenquadradas com a realidade. O enredo serve principalmente para as conhecer melhor que, após a análise superficial, têm mais do que apenas bastante piada.

Embalado por várias sequências de bizarras situações, The Royal Tenembaums é o género de filme que é capaz de frustrar o tipo de espectador que espera uma narrativa linear e um humor menos… característico! As actuações dos actores estão muito de acordo com as personagens, estando na liderança o veterano Gene Hackman que interpreta, claramente, uma personagem com uma réstia de bondade e Gwyneth Paltrow a filha que… fuma!

Se se procurar uma mensagem no filme, pode-se encontrar uma ou duas, mas não é a sua missão principal. Esta reside principalmente nos valores de família – mesmo que sejam todos loucos – e, embora quanto tudo parece estar perdido, nunca é tarde demais para endireitar as coisas.

7/10

Pedro Xavier

Gotas de Alma

Foi na passada quarta-feira, dia 14 de Fevereiro, no Teatro-Estúdio Mário Viegas a estreia da curta-metragem “Gotas de Alma”, um filme de NJ Silva e produzido pela Sou Muita Bom Audiovisuais, Lda. “Gotas de alma é uma história intensa em que a descoberta interior é oprimida pelos conceitos morais da sociedade. Rui (Filipe de Carvalho) encontra-se fragilizado e confuso. Em busca de si próprio, trava uma luta contra a sua natureza reprimindo os seus impulsos e desejos sexuais”. Ainda pertencem ao elenco os actores Marco Costa, Leonor Seixas, Ruben Garcia e Eduardo Frazão, recentemente o protagonista de “O Capacete Dourado”.

O “pequeno” encontro no Mário Viegas proporcionou casa cheia nesta antestreia. Após o visionamento da curta, actuou a solo um membro dos Storytellers, responsáveis pela banda sonora seguindo-se de um pequeno coquetel.

Aqui fica abaixo o trailer.


Pedro Xavier

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

A Cavalgada

Para a elevação de um filme ser concretizada no panorama geral contemporâneo, há que se ter em conta o impacto que uma banda sonora deve ter no mesmo. Esta tanto pode ser minimalista, sem qualquer tipo de influência, sendo apenas um elemento meramente decorativo ou, por outro lado, ser um elemento extraordinariamente relevante de maneira a complementar a intensidade dramática e/ou cómica da cena.

De facto, se bem nos lembrarmos, seria inconcebível que filmes como “Manhattan” (Woody Allen, 1979), “Morte A Venezia” (Luchino Viscontti, 1971) ou “Cinema Paradiso” (Giuseppe Tornatore, 1988) ficassem desprovidos dos seus temas principais. Como seria ver “2001: A Space Odyssey” (Stanley Kubrick, 1968) sem o Assim falava Zarathustra de Strauss? Ou “Apocalypse Now(Francis Ford Coppola, 1979) sem a Die Walküre, mais conhecido como A Cavalgada das Valquírias?

Tal como diz Larry em “Manhattan Murder Mystery(Woody Allen, 1993) “I can't listen to that much Wagner, ya know? I start to get the urge to conquer Poland”, temos por oposição a glorificação máxima de Wagner ao dar “voz” a uma das cenas mais emblemáticas na história do cinema. É como dizer "I love the smell of napalm in the morning".



Pedro Xavier

Happiness (1998)

Não, não é uma vida maravilhosa e o resto do mundo pode ser um terrível lugar: um buraco cheio de solidão, crueldade e depravação, repleto de monstros perseguidores de criancinhas. O mundo, isto é, visto segundo o realizador Todd Solondz, é reproduzido em Happiness de uma forma satírica, capaz de assustar o mais heróico espectador. Assinala também o perfil de vida americano, na sua maioria, desesperado.

O enredo do filme é o retrato de várias pessoas disfuncionais, todas elas ligadas através da vida de três irmãs de New Jersey. Joy (Jane Adams), solteira, condenada a não ter bons encontros amorosos e a trabalhos pouco satisfatórios, suspeita que toda a hostilidade do mundo está centrada nela, o que não deixa de ser totalmente verdade. Helen (Lara Flynn Boyle) é uma obcecada escritora de best-sellers sobre sexo, está cansada de tanta adoração, enquanto que a complacente Trish (Cynthia Stevenson) pensa ter tudo o que é necessário para ser feliz: três filhos, uma bela casa e um fabuloso marido. No entanto, sob a sua glamorosa fachada, Helen é atormentada pela dúvida “se ao menos tivesse sido violada quando era pequena”, pensa ela, “ao menos conheceria a autenticidade”, enquanto recebe telefonemas obscenos do sádico Allen (Phillip Seymour Hoffman). A vida de sonho de Trish está prestes a ser-lhe desmascarada quando souber que o seu marido Bill (Dylan Baker) é um pedófilo e faz dos amigos do filho vítimas.

O que há de extraordinário no filme reside na (quase) empatia que estas personagens provocam no espectador. Embora possuam um vasto leque de perversões (voyeurismo, pedofilia, assassínio, telefonemas obscenos), às vezes sente-se que o único motivo de Solondz é chocar. Happiness é divertido – repleto de humor negro – mas a maneira como constrói as suas personagens, figuras de ridicularização, vai tornando o filme cansativo até ao momento em que termina. Para além de algumas cenas boas, impõe-se a questão: o objectivo de chocar vai mais além do que algum humor negro refinado?

5/10

Pedro Xavier

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

A estrada guia-nos sempre para Oeste

Há algo de sedutor na ideia de virar as costas à civilização e a todos os seus adornos. A maioria de nós entretém-se com esse pensamento durante o sonhar acordado ou naqueles momentos compreendidos entre a vigília e o sono mas, no entanto, não deixa de considerar tais pensamentos pouco práticos e irresponsáveis. Existem sempre os relatos daqueles que dão este corajoso e irracional salto – o salto entre o sonho e a realidade, embora nem sempre com o happy ending desejado.

Temos então a história de Christopher McCandless, um jovem desiludido e descontente com a sociedade, que descarta toda a sua existência e ruma em direcção ao Alasca, para sobreviver sozinho num lugar isolado, recorrendo exclusivamente a alguma caça e aos parcos conhecimentos que obteve de plantas comestíveis. A história de McCandless foi obtida de pequenas anotações - pequenos fragmentos de texto deixados pelo mesmo - e vários testemunhos obtidos das pessoas com as quais foi tomando contacto ao longo da sua jornada. A reportagem foi finalmente publicada na revista “Outside” em 1994 por Jon Krakaeur e, dois anos depois, tornar-se-ia no “best-seller” que agora se vê transformado em filme pela mão de Sean Penn, um amante convicto da obra de Krakaeur.

Into the Wild combina dois géneros populares: a viagem (roadtrip) e a eterna luta do Homem vs Natureza. À medida que o filme começa, Chris (Emile Hirsch) já atingiu o seu objectivo: a natureza intocada do Alasca. Encontra uma carcaça de autocarro, da qual perfaz abrigo e habitat para sobreviver durante quatro meses. Os flashbacks que nos contam a história (talhada maravilhosamente por capítulos) são empregados com o intuito de mostrar como Chris chegou lá. Entretanto, intercalada com estes vislumbres do passado, a narrativa avança gradualmente vagabundeando pelo território belíssimo mas sombrio do Alasca. A história de Chris é tanto heróica como prudente; simultaneamente corajosa e estúpida. Penn consegue contar e mostrá-la sem qualquer tipo de pretensiosismo do carácter ou as acções da personagem. Mostra apenas a admiração por um homem que percorre todo um território em busca de um sonho e de uma causa. Penn, numa entrevista revela “o filme é sobre alguém com uma força de vontade muito pouco comum na actualidade. Alguém com uma ausência de apego ao conforto que é pouco comum e que é necessário tornarmos comum, de outro modo a Humanidade não sobreviverá ao próximo século”.

Tal como se diz nos road movies é a viagem que realmente importa e não o destino, que é o caso de Into the Wild. Para Chris, a viagem ao Alasca é o que lhe dá alegria. As pessoas que encontra no caminho – nómadas hippies, trabalhadores de campos de trigo e o avô (figurativo) – contribuem para enriquecer a sua existência. Quando chega finalmente ao norte e passados alguns meses de solidão, chega à conclusão que a sua jornada espiritual acabou e à verdade que tanto ambicionava encontrar. Sabendo já do seu fim - a encarnação figurativa da morte pela aparição do urso - escreve “a felicidade só existe quando é partilhada”.

Into the Wild - O Lado Selvagem, é um filme belíssimo com segmentos e imagens poderosas – com o seu avô adoptivo (Hal Halbrook) e os momentos passados no autocarro “mágico” – acompanhados pela música do vocalista dos Pearl Jam, Eddie Wedder. A força e amplitude da duração do filme dão-lhe muitas abordagens, nas quais sobressaem as críticas a uma ridícula sociedade burocrática onde é oprimido o sentido de viver.


9/10

Pedro Xavier

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Cygnus atratus: doce fealdade


"O mínimo que é tudo" é uma expressão que pode, indubitavelmente, resumir a coreografia de Swan Lake, 4 acts. Quando as palavras de nada servem, quando os olhares pouco valem.. a capacidade de expressão corporal de Raimund Hoghe e dos seus quatro bailarinos é estrondosa. A sensação de estranheza quase consegue abalar.

Do original Lago dos Cisnes, Hoghe mantém uma compilação divinal de Tchaikovsky que se vai repetindo ao longo de todo o espectáculo. E mantém também o significado do Amor. Tudo o resto diverge, convergindo para uma diferença maior: a beleza é espectral, a fatalidade é absolutamente inevitável, a dor é notória. Sofre-se a cada movimento contido e retraído.

A apresentação de um conjunto de elementos externos é digna de referência: doze cadeiras para cinco pessoas, uma vela, cisnes de papel, lenços para tapar os cisnes, casacos compridos, cubos de gelo que se transformam em circulos de água, alguns punhados de areia. Cada qual a sua simbologia, o seu significado inerente. Abstracto.

Qualquer um dos elementos, a meu ver, quer fazer passar ao público a ideia de alguma infantilidade. Doce inocência. A sensação da existência e persistência dos sonhos nas vidas de cada um de nós. A necessidade que deles temos.

Em termos técnicos, a delicadeza do Ports de bras clássico é comovente. A cena com mais força é a do final do IV acto, quando o cisne disforme morre de amor. A nudez de Hoghe não espanta, não repele, não embaraça.. é pura arte.

A marca de Raimund Hoghe está bem cravada em Swan Lake, 4 acts. É uma experiência inesquecível sobre um mundo idealizado. Um mundo melhor. Um mundo lindo.

Sara Toscano