Antes da grande noite começar, “Expiação” já tinha recebido dois BAFTA (Best film, Best Production Design) e dois Golden Globes (Best Motion Picture Score, Best Original Score). No encerrar da cerimónia, levou apenas a estatueta de Melhor Banda Sonora Original composta por Dario Marianelli (“V for Vendetta”). Embora tivesse sido aclamado como favorito, a ascensão súbita do filme de Paul Thomas Anderson “Haverá Sangue” e de “Este País Não é Para Velhos” dos irmãos Coen, deitou por terra qualquer esperança da longa-metragem de Joe Wright arrebatar o galardão principal. No entanto, não há margem para dúvidas acerca da qualidade artística e técnica do filme.
Abaixo podemos observar duas sequências, não por serem pedras basilares no avanço da narrativa, mas pela sua beleza e essências antagónicas.
A primeira é fundamental para o desenvolvimento da intriga amorosa das personagens Cee (Keira Knightley) e Robbie (James McAvoy). Cee representa a filha subproduto modernista dos golden twenties e Robbie o sentimento de apego às tradições. Ambos diferem pela sua condição social e, mais que a propósito, é ele que ao por a ária “O Soave Fanciulla” (acto I de “La Bohème” de Puccini) dá a entender, embora em espaços disjuntos, os seus sentimentos. Trata-se de um prelúdio, uma declaração do novo amor encontrado e um rito de iniciação sexual desenvolvido pelo diálogo imaginário que travam um com o outro, num magnífico encontro dado pelo jogo de espelhos e a máquina de escrever e que termina, então, com Cee a retirar do armário um vestido verde – simbolizando o vigor e a frescura da juventude – em alternativa ao vestido negro, representado assim como o distanciamento da sofisticação e do luxo que viria a acontecer. Tal como em “La Bohème”, o final não poderia ser outro senão trágico.
O segundo momento que marca o filme é, como já se sabe, o soberbo plano sequência em que Joe Wright sobrevoa através da violência e do caos provocados por soldados revoltados/felizes (?), à espera de embarcar na praia de Dunquerque. Toda a felicidade do rosto de Robbie é apagada quando se depara com tal cenário, uma camuflagem à representação icónica do desespero e podridão humana face à guerra.
Pedro Xavier