sexta-feira, 6 de junho de 2008

Annie Hall (1979)

A jeito de continuação do post anterior, estava na cara que o próximo filme a ser revisitado para a review da semana seria Annie Hall.

É usual pensar em Annie Hall e em Manhattan como dois filmes em tudo quase semelhantes. Ambos têm como pano de fundo a cidade de Nova Iorque e são ambos sustentados pelos alicerces de pequenas intrigas amorosas que giram à volta de neuróticas e agridoces peripécias românticas, incidindo na aparente impossibilidade de encontrar o amor derradeiro. Ambos estrearam na década de 70 do século passado, respectivamente 1977 e 1979. Muito discutivelmente, este é considerado o período em que Woody Allen teve o seu maior pico de criatividade e originalidade.


Contudo, enquanto Manhattan é nas suas vísceras um filme sensual e contemplativo, é muito mais romântico do que cómico. Por outro lado, Annie Hall é assumidamente hilariante, com um gosto adocicado dado pelo romance entre Alvy Singer (Woody Allen) e Annie Hall (Diane Keaton). Estruturalmente, Annie Hall – o filme - lembra-nos um de Federico Fellini (Amarcord, 8 1/2) na sua qualidade mais autobiográfica, em tons característicos de comédia camuflada. A narrativa tão simetricamente pouco linear de Annie Hall discorre de acordo com os caprichos do narrador. Alvy Singer não é mais do que uma personalidade homónima de Allen que, à medida que a narrativa se desenvolve em forma de auto-crítica, se dá a conhecer – os 15 anos que Alvy passou em terapia revelam que é, entre outras coisas, paranóico, neurótico, possessivo e xenófobo em relação a qualquer coisa que não é Nova Iorquina – e nos conduz simpaticamente à fábula do seu romance.

A obsessão de Alvy na gradual deterioração da sua tão queria Nova Iorque e a crescente aversão à cultura (ou falta dela) da Califórnia, fornecem a base psicológica em que assenta este moderno conto de amor. Annie, como objecto de desejo de Alvy Singer, é uma figura tão incerta e desorganizada tal como como uma mistura de amor genuíno com loucura (ninguém diz la di da) que, no meio deste ambiente neurótico, não admira que necessite de fumar erva antes de ter sexo com alguém.


À medida que Allen nos dá a conhecer os romances falhados de Alvy, permite que haja uma intromissão de Singer no filme para comentar, sarcasticamente, as fraquezas daqueles que o rodeiam. Irrita-se particularmente com o falso intelectualismo que o rodeia. No entanto, assim como é duro consigo e com os outros, o seu criticismo não é nada condescendente.

É admirável que Allen consiga misturar todos estes honestos ingredientes num único filme e, ainda assim, torná-lo divertido. Não é de admirar que Annie Hall tenha vencido a tão cobiçada estatueta dourada (Woody não apareceu para a receber), no ano em que Star Wars revolucionou todo o conceito de entretenimento cinematográfico.





Pedro Xavier

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