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quarta-feira, 30 de julho de 2008

Beowulf (DVD)

O filme Beowulf de Robert Zemeckis pode ser visto de duas maneiras: sobre o que trata e como lá chega. A história do guerreiro viking Beowulf data de há séculos e foi passada de geração em geração até ser lida nas escolas. Adaptada por Neil Gaiman (“MirrorMask”) e pelo co-argumentista de Pulp Fiction Roger Avery, conta a viagem de Beowulf à Dinamarca com os seus cavaleiros, os Thanes, para vencer o monstro Grendel que aterroriza o reino do rei Hrothgar e como Beowulf enfrentou a tentação da sedutora mãe de Grendel.

Zemeckis conta a história de maneira tão atractiva que, desde o primeiro instante, nos prende a atenção. Através de animação de computador foto realista, o filme capta as texturas de maneira brilhante. A madeira do salão do rei Hrothgar, os dentes afiados e a carne de Grendel, o cabelo da rainha Wealthow, o líquido que escorre pelo corpo nu da mãe de Grendel e muito mais. A animação traz ainda elementos da lenda para a magnitude do grande ecrã, tais como a luta de Beowulf com o dragão.

É, no entanto, o elemento humano que mais causa perplexidade. Zemeckis conseguiu reunir um impressionante elenco de luxo para dar corpo e voz às personagens: Ray Winstone como o valente guerreiro Beowulf, Anthony Hopkins como o velho rei Hrothgar, Robin Wright Penn como a bela rainha Wealthow, Brendan Gleeson como o fiel tenente Wiglaf e Angelina Jolie como a bruxa sedutora e mãe de Grendel. Zemeckis usou tecnologia motion-capture – pôs os actores vestidos com fatos repletos de pontos, filmou-os e colocou a informação do seu movimento e posição em computador. Esta tecnologia já antes tinha sido usada em 2004 em Polar Express.

Beowulf, o filme, aparte os espantosos efeitos visuais e virtuoso elenco, não passa de um mediano filme de acção. O surpreendente na história está no argumento, na introdução da vulnerabilidade e da fraqueza humana por detrás da lenda. Desejo, traição e culpa fazem parte do centro psicológico de Beowulf, dando à luta final com o dragão algum significado freudiano. Woody Allen tinha dito em Annie HallJust don't take any course where they make you read Beowulf”.





Pedro Xavier

terça-feira, 22 de julho de 2008

Léon (1994)

Certamente que todos os que viram Nikita, o filme de culto de Luc Besson no início dos anos 90, sentiram uma ligeira sensação de dejà vu ao visionar Léon. Este filme de 1994 é como que uma continuação da mesma temática, no entanto, com ligeiras diferenças: Nikita (Anne Parillaud) era uma rapariga da rua que se torna assassina em nome do governo para escapar à pena de morte; em Léon temos Mathilda (Natalie Portman), uma criança-mulher de doze anos que pretende tornar-se assassina, para vingar a morte do seu irmão mais novo.

Jean Reno interpreta um “cleaner”, um hitman profissional, sem mulher, sem amigos e sem dinheiro. Trabalha para o chefe da máfia italiana “Big” Tony (Danny Aeillo), do qual recebe os “trabalhos”, executando-os com precisão. Com o mesmo profissionalismo com que “limpa” os seus clientes, trata da sua planta num vaso, a sua única companhia. No mesmo prédio vive Mathilda que, um dia ao vir das compras, vê a família assassinada por um esquadrão de polícia de combate aos narcóticos, liderado pelo psicótico Stansfield (Gary Oldman). A câmara segue Natalie Portman por um corredor aparentemente infindável, a deslizar entre a vida e a morte até que se abre a porta da vida ou, de outro modo, a porta para a vida de Léon.

O primeiro instinto de Léon é ver-se livre da rapariga, mas não como está acostumado a fazer. Os dois acabam por ficar juntos, a aprender um com o outro. Léon ensina Mathilda a limpar a arma e ela ensina-o a ler e a escrever; ele ensina-a sobre a morte, ela ensina-o sobre a vida. Ele é um rapaz dentro de um corpo adulto, ela uma mulher no corpo de rapariga. Foi devido a este bailado, a esta interacção quase sexual entre as duas personagens que Léon não foi tão bem recebido pela crítica americana, no entanto, o romance proibido já antes tinha sido abordado em Lolita e a exploração de carácter sexual em Taxi Driver.

Léon, o filme, não é uma história de acção, nem de mafiosos, nem de polícias corruptos, embora misture todos estes ingredientes, com a grande maestria que Luc Besson imprime nas sequências de acção (The Fifth Element). Apesar destes factores, a sua grande força reside na interpretação dos actores. Jean Reno tem o papel principal mas cabe a Natalie Portman a honra de se destacar como actriz revelação afirmando-se, mais uma vez, como uma das grandes actrizes da actualidade.




Pedro Xavier

quarta-feira, 16 de julho de 2008

The Savages - Os Savages (DVD)

Não deixa de ser desconcertante a falta de atenção que Portugal dá ao chamado cinema independente e de autor. A ideia (um estigma) de que tudo o que não vier de Hollywood é maçador, chato e, consequentemente, irrelevante, tornou-se numa banalidade profunda, que dificilmente será superada. Pior ainda é quando essa mentalidade (público, distribuidoras, comentadores) se estende ao cinema americano, não à grande máquina que é Hollywood, mas à pequena, a que ainda produz cinema de qualidade através, maioritariamente, dos argumentos e das performances dos actores.

Este é o caso de The Savages, nomeado pela academia para a cerimónia deste ano em duas categorias principais (Melhor Actriz Principal e Melhor Argumento Original) – um filme completamente ignorado (disponível em Portugal apenas em DVD) e que está, sem qualquer dúvida, acima da qualidade mediana que caracteriza a grande maioria do cinema produzido nos dias de hoje.


Tamara Jenkins mede a profundidade de um novo terror no seu mais recente filme - The Savages – o terror de se ter de lidar com o território desconhecido da impotência perante familiares que sofrem de demência. A problemática interior agrava-se quando se está a cuidar de um pai (Philip Bosco) que nunca antes cuidou dos filhos. É difícil imaginar um teste maior à solidariedade familiar quando se deparam com a decisão do que fazer com um parente doente.

Wendy Savage e Jon Savage (Laura Linney e Philip Seymour Hoffman) são os filhos de meia-idade cuja relação entre eles e o pai leva até ao limite a própria definição de família (mais precisamente a definição de adulto). Tamara Jenkins, apesar de nos esfregar na cara os sintomas da demência, não deixa de apresentar uma tristeza melancólica, consciente de que nestas questões, a morte e a pena andam de mão dada com a comédia negra.


A morte, como tema central, já foi tornada num lugar-comum, no entanto não deixa de ser uma assombração no sótão de cada um de nós. A maioria dos filmes torna-a num inimigo sem rosto, a qual se deve lutar e resistir. N’ Os Savages e n’O Escafandro e a Borboleta, a mortalidade é levada a sério como sendo inevitável e que se deve aceitar.

N’ Os Savages, apesar da grande performance física de Philip Bosco, é no seu núcleo uma história sobre os dois irmãos que falham permanentemente, quer na vida pessoal, quer nos cuidados ao pai. Laura Linney porta-se lindamente como mulher à beira de um ataque de nervos sendo, no entanto, uma mulher criança incapaz de assumir qualquer tipo de compromisso a nível pessoal. Jenkins não é sentimentalista nem condescendente com as suas personagens (importando uma expressão típica americana, são uns losers). Philip Seymour Hoffman afirma-se, mais uma vez, como um dos maiores actores contemporâneos dando forma e vida a um professor de filosofia que, à semelhança da irmã, é incapaz de terminar um livro sobre Brecht e impotente quanto à resolução da sua vida amorosa. A peça semi-autobiográfica de Wendy Savage “Wake Me When It’s Over” é finalmente completa quando o pai morre.

Jenkins dá-nos a morte como juízo final e como a sua influência reduz à miséria todos os que a rodeiam.




Pedro Xavier

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Bee Movie - A História de uma Abelha (DVD)

Pode-se caracterizar a comédia de Jerry Seinfeld como sendo um género de humor a nível microscópico, sobre as pequenas coisas que notamos no dia-a-dia, num estado de semi-consciência mas que, só eventualmente, lhes damos importância. O grande talento do comediante é saber captar a nossa atenção para essas “pequenas” coisas. Por esta lógica, é apropriado que o seu primeiro grande projecto desde o final da série televisiva “Seinfeld” (já lá vão 10 anos!) seja sobre uma pequena criatura voadora que alegremente desafia as convenções físicas escritas pelos humanos e as leis que regem a colmeia onde vive (Seinfeld sempre se sentiu fascinado pela existência quase impossível das abelhas).


Para complementar um guião com assinatura do próprio Seinfeld (e ainda Spike Feresten, Barry Marder e Andy Robin), a animação da equipa da Dreamworks deu ao filme um visual solarengo e de ritmo «abelhesco» (que se assemelha muito ao Taylorismo). A voz agradavelmente idiossincrática do comediante ajusta-se na perfeição ao tom casual e ligeiro que caracteriza a história. A estrela da comédia transfere a sua persona para Barry B. Benson, uma abelha que critica e questiona o mundo dentro da colmeia. Insatisfeito por ter de ficar perpetuamente amarrado ao duro e ininterrupto trabalho da colmeia, faz uma viagem espontânea com o batalhão do pólen ao mundo exterior, encontra uma rapariga (sim, uma rapariga humana, interpretada por Renée Zellweger) e, em conjunto, processam a humanidade por roubarem, injustamente, o mel que é por direito das abelhas.


Bee Movie – A História de uma Abelha” é um filme visualmente brilhante, activo, estimulante, colorido e por vezes com algum humor negro (nunca veríamos um pacto de suicídio num filme da Disney). Lá bem no fundo, a história pode ser comparada a “The Graduate”, em que o recém-licenciado Barry, é pressionado pelos pais aparentemente judeus (Kathy Bates e Barry Levinson) a encontrar um trabalho e assentar na existência pacata da vida na colmeia; até há uma cena na piscina (de mel) como no clássico de Mike Nichols.

A juntar à dupla principal estão as vozes de Matthew Broderick, Patrick Warburton, John Goodman, Chris Rock, Oprah Winfrey, Larry King (a fazer de Bee Larry King), Ray Liotta e Sting (ferrão).


Apesar de o humor não ser hilariante (é possível que a expectativa de ver um novo episódio de “Seinfeld” tenha sido demasiado elevada), é o suficiente para deixar miúdos e graúdos de sorriso posto, pela fantasia de vermos humanos a falarem com insectos e pela mensagem de tolerância para com aqueles que são diferentes de nós mas equilibram o delicado funcionamento da natureza. O toque de Jerry Seinfeld é notório (“Why do girls put rings on their toes?... It’s like putting a hat on your knee”). Ele pode não estar a actuar ao vivo, mas a qualquer momento pode agarrar o microfone. É aproveitar e rir destas suas últimas pérolas.





Pedro Xavier

domingo, 20 de abril de 2008

Enchanted / Uma História de Encantar (DVD)

Há aqueles filmes que são, nitidamente e inquestionavelmente, filmes de domingo à tarde, mais precisamente para aquelas tardes de domingo em que não apetece trabalhar, não apetecer estudar, não apetece sair de casa. Só apetece ficar recostado no sofá, a ver na TV o que as iluminadas almas da programação televisiva decidem ser, sem sombra para dúvida, um bom filme (ou se calhar um mau para fazer concorrência a um péssimo noutra estação). Foi com este espírito domingueiro que, para fugir ao sacrifício de me sujeitar à programação de outros, inseri no leitor de DVD um filme que, tendo passado despercebido (aos meus olhos), já entretanto me iam impingindo e que seria uma grande falha não o ver.

Enchanted / Uma História de Encantar” é, verdadeiramente, a mais recente e deliciosa produção da Disney que nos faz recordar de tempos idos, de uma era já quase esquecida, em que Walt e a sua equipa não conseguiam fazer nenhuma animação que não merecesse nota máxima. Em 1964, o filme “Mary Poppins” – cuja personagem homónima foi interpretada por Julie Andrews – fez a ligação, a ponte entre a animação e a realidade através de um musical verdadeiro e mágico. Era um dos filmes favoritos de Walt Disney e, penso eu, que certamente hoje estaria enamorado pela história da princesa perdida de “Enchanted”. Não é por acaso que Julie Andrews é a narradora do já tão típico (refira-se, esquecido) «Era Uma Vez» introdutório das histórias de encantar.



Ao realizador Kevin Lima e ao argumentista Bill Kelly pediam-se garras para lidarem com este híbrido - “Enchanted combina animação 2D, efeitos especiais e representação tradicional. Esta mistura, caso não fosse bem conduzida, poderia ser equiparada à queda de um elefante numa loja de porcelanas. Kevin Lima já tinha trabalhado em “A Bela e o Monstro”, “A Pequena Sereia” e “Aladino”, três das melhores animações da Disney.

A “História de Encantar” pode ser lida (o filme começa com um abrir de livro – que saudades!) tal e qual como outros clássicos, vejamos “Branca de Neve e os Sete Anões”. No prólogo, a solitária princesa Giselle (Amy Adams) de Andalusia, entoa para os seus amigos animais da floresta a canção que a fará ser encontrada pelo seu príncipe encantado, o portador do «true love’s kiss». O príncipe Edward (James Marsden) é corajoso e o par perfeito, mas os planos do casamento são arruinados pela madrasta má, a rainha Narissa (Susan Surandon num papel ainda mais maléfico que Cruella de Vil). Com receio de vir a perder o trono, Narissa empurra Giselle para um poço, que liga o mundo de fantasia ao mundo real (Nova Iorque), onde não há «happily ever afters». Já no mundo dos humanos, Giselle conhece Robert (Patrick Dempsey, Dr. McDreamy da série Anatomia de Grey) e a sua filha de seis anos Morgan (Rachel Covery). Depois a trama adensa-se quando Pip (o esquilo), Nathaniel (o ajudante da rainha), Edward e Narissa decidem seguir o mesmo caminho que Giselle, entrando no buraco do coelho.




Ah, como é refrescante ver que “Enchanted” tanto parodia as mais belas tradições da Disney como, ao mesmo tempo, as respeita e segue o seu rumo. São inúmeras as invocações às mais mágicas cenas dos clássicos da Disney que marcaram a infância de todos [galeria de fotos aqui]. Não há piadas nem sentimentalismos fáceis. Foi (re)encontrada a alquimia para a magia. Algures, onde quer que esteja, Walt Disney deve sorrir…

9/10

Pedro Xavier


quinta-feira, 10 de abril de 2008

Anatomy of a Murder - Anatomia de um Crime (1959)

O filme de Otto Preminger (1959), baseado no romance (1957) de Robert Traver, recebeu para as cerimónias principais de 1960 sete nomeações para os Oscar - Best Picture e Best Actor incluídas - e três para os BAFTA, não conseguindo arrecadar nenhum dos prémios pretendidos. Também eram candidatos aos principais prémios “Some Like It Hot / Quanto Mais Quente Melhor” (Billy Wilder) e “Room At The Top” (Jack Clayton). No entanto, a Academia não quis dar o grande prémio ao drama no tribunal. O grande vencedor dessa noite foi Charlton Heston [ver artigo], na sua fantástica interpretação como príncipe judeu “Ben Hur” (William Wyler) [ver artigo].

Entre outras coisas, Anatomia tem uma das mais longas cenas (mais de uma hora) de sempre dentro de um tribunal, no qual Paul Biegler (James Stewart), advogado e habitante de uma pequena e pacata vila, é o defensor de Frederick Manion (Ben Gazzara), um irritadiço tenente do exército acusado de, irresistivelmente, ter morto Barney Quill, o dono do bar local, sob suspeita por ter, alegadamente, violado e espancado a sua mulher (de Manion). Laura (Lee Remick) – a mulher – confirma o testemunho do marido pela acção de um detector de mentiras. No entanto, o exame médico efectuado não revela qualquer prova de ter havido violação.


Estranhamente, o filme não é um murder mistery (embora pareça). Não há dúvidas sobre o que aconteceu. É, pois, no tribunal que se dá todo o suspense e a dissecação desta “Anatomia de um Crime”. Há uma série de questões morais que se levantam (a nós, ao júri, a Biegler) em vez da eterna questão deste género fílmico “quem foi o assassino?”. O final não podia ser mais ambíguo sobre o resultado do julgamento.


Excelente foi a escolha dos actores. Quer Stewart, quer George C. Scott - o advogado de acusação de elegância sofisticada vindo da cidade que contrasta com o tão terra a terra Biegler – foram ambos nomeados pela Academia. Lee Remick é sexy, quente e terrífica. Tem uma cena fantástica no tribunal, onde tira os óculos escuros e o chapéu, mostrando o seu lustroso cabelo, para o deleite do júri, juiz, advogados, audiência (e espectadores). James Stewart trás ao filme uma simpática (mas negra) astúcia, tal como se viu em “Vertigo” (Alfred Hitchcock, 1958), combinada com o ambiente caseiro da vila de “It’s a Wonderful Life” (Frank Capra, 1946).


Depois de “12 Angry Men/12 Homens em Fúria” (Sydney Lumet, 1957) e “Witness for the Prosecution/Testemunha de Acusação” (Billy Wilder, 1957), “Anatomia de um Crime” não é o melhor filme que decorre no ambiente da justiça, mas certamente ocupa um justo terceiro lugar.


8/10


Pedro Xavier


terça-feira, 1 de abril de 2008

Peter & The Wolf (DVD)

Pedro e o Lobo”, a história de um rapaz e os seus amigos animais - um pato, um gato, um pássaro - ameaçados por um lobo esfomeado, há muito que é um conto favorito não só de miúdos mas também de graúdos. O conto de 1936 escrito por Sergei Prokofiev já foi gravado por inúmeras vezes, em colaboração com as mais reconhecidas orquestras e narradores. A maioria das gravações permite aos ouvintes desfrutar da música – também ela composta por Prokofiev – acompanhada pela voz do narrador, que identifica e atribui cada instrumento às diversas personagens, quer sejam animais, quer sejam humanas.

Tal como os contos dos irmãos Grimm, uma boa história é sempre atractiva para os realizadores e não é de surpreender que o conto já tenha sido adaptado por diversas vezes, incluindo a versão clássica de 1946 apresentada pela Disney (imagem abaixo). Talvez por não querer seguir o mesmo destino que deu à progenitora de Bambi, a versão da Disney permite que o pato viva no final não esquecendo referir, mesmo assim, a crua realidade dos animais terem de comer outros animais para sobreviver.



Esta nova versão em stop-motion apresentada pela galardoada Suzie Templeton – vencedora de um Oscar e um BAFTA na categoria de Melhor Curta de Animação – é inovadora, com algumas alterações, mas sem afectar a beleza e o horror do conto musical de Prokofiev. O essencial está lá: enquanto o avô dorme, Pedro esgueira-se para além da cerca limitadora da casa para brincar com os amigos pato e pássaro num pequeno lago congelado na floresta, até que aparece o lobo. Após consumado o destino do pato, Pedro consegue apanhar o lobo com uma rede e impedindo-o de fazer mais mal.


A equipa de animação de Templeton criou uma espécie de aldeia rural Russa como cenário, caracterizada por imensos detalhes e habitantes sombriamente distintos. As personagens humanas não falam – assim como não há qualquer narração ao longo do filme – mas os pensamentos e sentimentos são claros e expressos pelas caras – no caso de Pedro, é a intensidade dos seus grandes olhos o factor essencial que nos mostra os sentimentos de fúria, vingança ou alegria; já no caso do avô, será a sua pele enrugada e gasta através de décadas de vivências. A verdadeira alegria do filme é demonstrada pelas acções antropomórficas dos animais – o pato, gato, o pássaro - os seus sentimentos de afecto para com Pedro e as suas reacções quando gozam, perante o embaraço do outro.


A música de Prokofiev só entra em cena quando Pedro consegue escapar a cerca da sua existência. É frequentemente dividida em pausas dramáticas, que acentuam o desempenho emotivo das personagens. Embora o conto seja originalmente dedicado às crianças, o tom negro de “Pedro e o Lobo” de Suzie Templeton e a morte do pato serão como um choque para aqueles que esperam uma versão desinfectada da história, tornando-se uma mais-valia para Templeton quando, após vários visionamentos, apercebermos-nos da comovente relação de amizade que liga o rapaz ao animal.


8/10

Pedro Xavier


quarta-feira, 26 de março de 2008

No Reservations - Sem Reservas (DVD)

Realizar uma boa comédia romântica é tão difícil como fazer um bom soufflé: tenta-se ao máximo obter mais uma pequena elevação e tudo pode ir abaixo, ficando como uma panqueca. Pegue-se então em Kate (Catherine Zeta-Jones), uma chef de um restaurante em Manhattan extremamente organizada e cronometrada, com enormes dificuldades em se relacionar com alguém; mistura-se, então, uma sobrinha recentemente órfã (Abigail Breslin); cozinhe-se, abaixo do ponto de fervura, meia hora de uma forçada relação adulto/criança e, por fim, é adicionado Nick, um chef insolente e exuberante (Aaron Eckhart) que, para além da paixão por Pavarotti, é completamente o oposto de Kate: divertido, descontraído e tem uma extrema facilidade em lidar com crianças. Pronto, agora é só deixar ferver mais dez minutos de uma relação amor/ódio e ‘vão-ficar-juntos-ou-não?’, para servir, ainda quente, após uma doce reviravolta. O resultado deve ser horrível, mas é surpreendentemente charmoso ao ponto de dar umas estrelinhas Michelin aos dois chefes de cozinha.

6/10


Pedro Xavier


terça-feira, 25 de março de 2008

Lions for Lambs - Jogos de Poder (DVD)

Lions for Lambs” conta histórias entrecruzadas, todas com base nos desenvolvimentos actuais no Iraque e no Afeganistão. Assim que o filme começa, a prestigiada repórter Janine Roth (Meryl Streep) chega ao gabinete do senador Jasper Irving (Tom Cruise), em Washington, para uma entrevista exclusiva. Anos antes, Roth tinha declarado num artigo à Time que Irving seria o futuro, uma nova visão para a renovação do Partido Republicano. Na entrevista, o senador revela a nova estratégia do exército dos Estados Unidos que irá acabar com a guerra ao terrorismo e devolver à América a fé nos seus governantes.


Ao mesmo tempo, do outro lado do país, o professor Stephen Malley (Robert Redford) inicia uma reunião com um dos seus alunos Todd Hyes (Andrew Garfield), em quem vê um potencial enorme mas que, no entanto, se encontra contido devido a alguma ignorância. O professor começa, então, a contar a história de dois ex-alunos seus Ernest Rodriguez (Michael Peña) e Arian Finch (Derek Luke), que se sentiram motivados a se alistarem no exército e apoiar, dessa maneira, a guerra. A história de Rodriguez e de Finch é contada simultaneamente enquanto estes se encontram barricados e encurralados nas montanhas geladas do Afeganistão, devido a um ataque ao helicóptero onde se encontravam.


A vantagem de “Lions for Lambs” é o argumento de Matthew Michael Carnahan, pois são explorados inúmeros pontos de vista em relação à problemática situação vivida no Médio Oriente o que é, simultaneamente, uma desvantagem, como que um freio a uma forte posição política que possa o filme vir a ter. Mesmo assim, consegue ir mais longe, de uma maneira corajosa - e refrescante à vista – ao apontar o dedo aos media por terem lidado com o início e desenrolar da guerra como se fosse um evento desportivo. A mensagem do tipo “drop what you’re doing and get involved!” não é de todo original, mas pode-se aproveitar para serem analisados diversos pontos de vista.


Em relação aos actores… Tom Cruise tem uma prestação notável como um político engenhoso, calculista e charmoso. Nos casos de Meryl Streep e Robert Redford, parece que todo o seu enorme talento fica subaproveitado devido à pouca densidade dramática das suas personagens.


Lions for Lambs é mais um a entrar no conjunto de filmes que surgem das consequências da política contemporânea, que levantam inúmeras questões mas sem devolverem respostas satisfatórias. A atitude de Irving ao dizer “whatever it takes” é certamente um reflexo da política seguida pela administração corrente para lidar com os problemas actuais. E em relação aos de longo-prazo? Ainda estaremos em guerra por daqui a 10 anos? É tempo de medir o potencial das acções e começar a ver o prisma completo.


7/10


Pedro Xavier



segunda-feira, 24 de março de 2008

Ben-Hur (1959)

O fim-de-semana da Páscoa não podia deixar de ser celebrado pelas televisões nacionais através da reposição de filmes de cariz histórico / bíblico. No entanto, tal como se viu, apenas a emissora pública nacional foi a única que seguiu a tradição e nos presenteou não com “A Maior História de Todos os Tempos” mas com, seguramente, o maior épico bíblico do cinema clássico americano. O filme é particionado pelos eventos da vida de Cristo, a começar pelo seu nascimento no estábulo onde os três reis magos fazem as suas oferendas, e a terminar com a crucificação e a cura milagrosa que se segue à Ira de Deus.


O tema central de “Ben-Hur” (1959) é, pois, o perdão. O padre Holandês Henri J. M. Nouwen escreveu “The only people we can really change are ourselves. Forgiving others is first and foremost to healing our hearts”.


O filme do realizador William Wyler é um remake do filme homónimo de 1925, com o subtítulo “The Tale of the Christ”, realizado por Fred Niblo. Este espectacular filme mudo contou com a participação das estrelas de cinema Ramon Navarro, como Ben-Hur, e Francis X Bushman no papel de Messala e ainda outras 125,000 pessoas como figurantes. Adaptado do romance de Lew Wallace, custou cerca de 4 milhões de dólares (na altura era considerável), tornando-se o filme mudo mais caro da história.


Mas voltando à versão de 1959, este remake foi inspirado pelo facto de, três anos antes, Cecil B. DeMille e o grande estúdio Paramount terem posto, em todo o esplendor dos 70mm, o épico bíblico “The Ten Commandments” (1956). A figura heróica de Charlon Heston – um justo Moisés icónico – seria outra vez convocada para interpretar o papel de Príncipe da Judeia, Judah Ben-Hur, depois da personagem ter sido recusada pelos peso pesados Burt Lencaster, Rock Hudson e Paul Newman.


No enredo, Ben-Hur (Charlton Heston) é injustamente escravizado e enviado para as galeras pelo seu amigo de infância Messala (Stephen Boyd), um romano ambicioso recém-chegado a Jerusalém, mas regressa em busca de vingança, exemplificada pela emblemática corrida de quadrigas que imortalizou o filme. Finalmente, encontra redenção e perdão nas esclarecedoras e inspiradoras cenas finais do filme.


Assim como a versão a preto e branco que a precedeu, a versão colorida de 1959 foi a mais dispendiosa da década de 50, que quase levou os estúdios da MGM à falência. A sua preparação demorou mais de 6 anos, os locais de filmagem foram os mais variados (maioritariamente em Itália) e foram necessários milhares de figurantes – só na corrida das quadrigas foram necessários 15,000 participantes.


Ben-Hur” revelou ser um filme inteligente, excitante e dramático, ao contrário de tantos outros filmes bíblicos, repletos de estrelas de Hollywood. A reprodução da figura de Jesus Cristo foi realizada de maneira extremamente subtil e a Sua aparição foi-nos dada exclusivamente como um cameo – nunca se vê a Sua cara, apenas as reacções de outras personagens para com Ele. Emblemática é a cena da chegada de Ben-Hur e outros escravos a Nazaré, depois da travessia do deserto. Um homem bondoso e com compaixão dá ao desidratado príncipe judeu água que revitaliza o seu corpo e dá novo alento à sua alma, desafiando as ordens do soldado romano. A cena é tão bem conseguida e é-nos dada enquanto vemos por cima do ombro de Jesus a expressão perturbada da cara do soldado romano.


Ben-Hur” foi dos filmes mais galardoados de sempre pela Academia de Hollywood, com 12 nomeações, tendo arrecadado 11 estatuetas douradas. Apenas “Titanic” (James Cameron, 1997) e “The Lord of the Rings: The Return of the King” (Peter Jackson, 2003) conseguiram levar para casa o mesmo número de estatuetas (o primeiro obteve 14 nomeações e o segundo 11) apesar de, ao contrário do filme de 1959, nenhum destes ter ganho nas categorias principais de representação. Charlton Heston levou consigo o primeiro Oscar da sua carreira (ainda chegou a ganhar um honorário), embora a sua interpretação tenha sido considerada inferior à dos outros nomeados: Jack Lemmon em “Some Like It Hot” (Billy Wilder, 1959), James Stewart em “Anatomy of a Murder” (Otto Preminger, 1959) ou Laurence Harvey em “Room at the Top” (Jack Clayton, 1959).



Regressando à corrida de quadrigas no circo romano (uma réplica espantosa), seria injusto não ter em conta uma das mais famosas sequências que ficaram imortalizadas na história do cinema. Veja-se, então, a homenagem que George Lucas lhe faz no filme “Star Wars: Episode I – The Phantom Menace” (1999), com a pod race em que cavalos são substituídos por máquinas avançadas, no entanto é mantido o duelo maniqueísta e intemporal Mal versus Bem entre as personagens. O sítio das corridas foi construído nos arredores de Roma, nos estúdios da Cinecittá, e as filmagens decorreram durante mais de três semanas.


Goste-se ou não, “Ben-Hur” é, sem qualquer dúvida, um dos maiores filmes de todos os tempos.


Ver Trailer

10/10

Pedro Xavier

terça-feira, 11 de março de 2008

O Escafandro e a Borboleta (DVD)

O Escafandro e a Borboleta” é um daqueles filmes que, tendo estreado no final de Outubro do ano passado, passou completamente despercebido à maioria do público, exceptuando aos amantes do cinema francês. Confesso que fui um dos muitos a quem este filme passou ao lado mas, passados alguns meses, como voltou às luzes da ribalta através da cerimónia dos Oscar - ainda por cima numa categoria importante como a de Melhor Realização – não pude deixar de perder um domingo à tarde para me dedicar à sua visualização.

Jean-Dominique Bauby (Mathieu Amalric) era o editor parisiense da revista Elle até ter sofrido um acidente cerebral que o deixou totalmente paralisado, com a excepção de um olho. Para além de ter sido um playboy, também fora um pai excepcional, um marido irresponsável e um grande escritor. Nos primeiros minutos o realizador Julian Schnabel mostra-nos imagens difusas e desfocadas, acompanhadas pelas vozes dos médicos e enfermeiras que ajudam o espectador a colocar-se na posição de Jean-Do (só o ouvimos em voz off), após ter despertado de um coma de três semanas. Jean-Do recebe a terrível notícia de que sofre de um locked in syndrome, provocado pelo acidente cerebral. Comunicando exclusivamente pelo olho sobrevivente, Jean Do consegue “ditar” frases seguidas que revelam a sua experiência no cárcere que se tornou o seu corpo, comparando-o a um corpo fechado num escafandro, impossibilitado de comunicar. As frases que ditou constituem a autobiografia na qual se baseia este filme e que foi publicada dois dias antes do seu coração ter sucumbido às consequências de uma pneumonia.

A partir do momento que ultrapassa a confusão inicial do estado de Bauby, o filme avança alternando entre as cenas que vive no seu estado estático e as lembranças da sua antiga vida, por vezes conjugando-as em fantasias onde participam as belas enfermeiras que o acompanham. Estas são imagens representativas da personalidade de mulherengo que outrora foi. Na maioria das memórias que invoca intervêm antigas amantes ou o pai (uma interpretação comovente de Max Von Sydow), fantasias coloridas – as borboletas – do que Bauby realmente viveu.

Julian Schanel juntou-se ao argumentista Ronald Harwood e numa palete misturou as cores das borboletas, revelando uma realização audaciosa, alternada entre momentos confusos vanguardistas e outros de uma beleza comovente, de maneira a trazer a história de Bauby ao grande ecrã. Surpreendente é a forma como Schnabel filma os momentos mais melodramáticos, em especial os da visita da sua mulher (Emmanuelle Seigner) e dos filhos, um telefonema do pai e outro da mulher pela qual deixou a sua família. Mathieu Amalric tem, talvez, a melhor interpretação que temos visto em filmes do ano passado, representando uma personagem que a todo o custo se tenta agarrar às pequenas coisas que o ainda tornam humano.

O Escafandro e a Borboleta” é um filme que nos faz pensar na efemeridade da vida e um grande momento de cinema, especialmente pelos gritos de Bauby, que não são ouvidos por ninguém, excepto nós.

8/10

Pedro Xavier

quinta-feira, 6 de março de 2008

Repulsion (1965)

Caroline (Catherine Deneuve) é uma jovem rapariga loira que trabalha como manicura num salão de beleza de Londres e vive num mundo aparentemente dominado por mulheres. Partilha o apartamento com a irmã Hélène (Yvonne Furneaux) e, para além desta, tem apenas contacto humano com as colegas do salão e as clientes idosas, cujas faces parecem mumificadas pelos cremes de beleza. No entanto, os homens estão por todo o lado: no trabalho (nos relatos das colegas que se queixam do seu interesse em apenas uma coisa) e em casa.

Caroline está deprimida e repugnada com tudo à sua volta. Olha com repulsa para as faces lamacentas das clientes; repele um almoço de fish and chips; quando chega a casa, fica repugnada com Michel (Ian Hendry), o amante casado da irmã. Quando têm relações sexuais, Caroline não consegue dormir, ficando acordada, enojada com os gemidos provenientes do quarto adjacente.

Os homens, para Caroline, são uma ameaça permanente. Impossibilitada de revelar os seus sonhos a quem quer que seja, começa a confundir a realidade com esses sonhos a partir do momento em que Helène e Michel partem para Itália, deixando-a sozinha em casa. Começa então a alucinar e a ter pesadelos que nos mostram a sua solidão e repressão sexual.

Gradualmente, o mundo à volta de Caroline começa a mudar. Reflectida numa chaleira, a sua cara é monstruosamente defeituosa; um coelho esfolado numa travessa parece-se com um feto humano; as rachas e fendas nas paredes começam a abrir-se, saindo delas braços que a agarram, o que a leva a imaginar uma violação. O mundo exterior à sua mente reflecte os horrores que a assombram.

"Repulsion" é o primeiro filme em inglês de Polanski e é uma obra assustadora e perturbante, não só pelas evocações do pânico sexual – um ano antes Hitchcock também apresentou Marnie (1964) – mas também pelo uso do som, num ambiente expressionista a preto e branco, que leva à criação do apartamento onde decorre a acção como sendo a representação de uma consciência perturbada e atormentada. Este é um trabalho austero, assustador e intemporal, com poucos diálogos mas que impõem um medo inteligentemente desconcertante e onde se mostra a quebra psicológica que Deneuve apresenta numa excelente interpretação.

9/10

Pedro Xavier

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

A Minha Vida Sem Mim


O título original deste filme, My Life Without Me, de alguma forma ficou na minha memória, de todas as vezes que passei por ele (no clube de vídeo? na FNAC?). Cativou-me. Capturou a minha atenção. Decidi que tinha de vê-lo.

O argumento, adaptado do conto Pretending the bed is a raft, de Nanci Kincaid, pode ser tido como um banal cliché (a personagem que descobre que está a morrer e decide mudar radicalmente a sua vida e a forma como a encara); mas é exactamente por isso que condeno terminantemente qualquer pressuposto: nada como "ver para crer".

Ann, a personagem principal, brilhantemente interpretada por Sarah Polley, vive uma vida modesta de dona-de-casa, com as suas duas filhas e o seu marido Don (Scott Speedman). Depois de desmaiar, Ann vai ao hospital e descobre que tem um cancro no útero e que lhe restam apenas dois meses de vida. Tentando manter a cabeça fria, decide esconder a doença de toda a gente e faz uma lista de coisas que quer fazer antes de morrer.

Poderia pensar-se que o filme é uma tragédia, tendo em conta que estamos cientes que Ann não tem qualquer hipótese de sobreviver ao cancro. No entanto, julgo tratar-se exactamente do contrário: embora seja muito triste, a história não é sobre a morte; é, antes, sobre a alegria de viver e tudo aquilo que isso possa implicar. É sobre o desejo de agarrar todas as oportunidades que a vida nos dá. A morte é apenas o fio condutor.

O filme conta ainda com a presença de Amanda Plummer (do inesquecível Million Dollar Hotel de Win Wenders), Leonor Watling (mais uma musa de Almodóvar), Deborah Harry (mais conhecida como Blondie), a nossa Maria de Medeiros e o grande Mark Ruffalo.

Esta belíssima viagem pelas mais diversas emoções de uma condenada, é simplesmente arrebatadora.

Com catorze prémios dos mais diversos festivais, este filme mostra-nos a mestria de fazer coincidir a poesia do guião e das falas com as mais belas composições do quadro (planos).

E nada mais comovente que ouvir God Only Knows pela voz dócil de Sarah Polley.

Por fim, há que sublinhar a força das falas deste guião (soberbo). Em particular, todas as que nos são apresentadas em voz off (daí que o trailer seja tão bem conseguido, tendo estado nomeado para um prémio). Deixo aqui algumas quotes.

"Ann: Alone. You're alone. You've never been so alone in your whole life. "

"Ann: Now you feel like you wanna take all the drugs in the world, but all the drugs in the world aren't gonna change the feeling that your whole life's been a dream and it's only now that you're waking up."

"Ann: Nobody thinks about death in the supermarket. "

"Ann: [letter] Life is so much better than you think, my love. I know because you managed to fall in love with me even though you saw, what was it, you said 10%? Five maybe? Maybe if you'd seen it all, you wouldn't have liked me. Or you would have liked me in spite of everything. I guess we'll never know..."

"Ann: You don't know who or what you're praying to, but you pray. You don't even regret the life that you're not gonna have, because by then you'll be dead. And the dead don't feel anything. Not even regret."

"Ann: You pray that this is your life without you. "

"Ann: [off] This is you. Eyes closed, out in the rain. You never thought you'd be doing something like this, you never saw yourself as, I don't know how you'd describe it... Is like one of those people who like looking up at the moon, who spend hours gazing at the waves or the sunset or... I guess you know the kind of people I'm talking about. Maybe you don't. Anyway, you kind of like being like this, fighting the cold, feeling the water seep through your shirt and getting through your skin. And the feel of the ground growing soft beneath your feet. And the smell. And the sound of the rain hitting the leaves. All the things they talked about in the books you haven't read. This is you, who would have guessed it? You."

"[Ann writes in journal]

THINGS TO DO BEFORE I DIE.

1. Tell my daughters I love them several times.

2. Find Don a new wife who the girls like.

3. Record birthday messages for the girls for every year until they're 18.

4. Go to Whalebay Beach together and have a big picnic.

5. Smoke and drink as much as I want.

6. Say what I'm thinking.

7. Make love with other men to see what it's like.

8. Make someone fall in love with me.

9. Go and see Dad in Jail.

10. Get false nails. And do something with my hair. "

8/10

Loved it!

Sara Toscano

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Viridiana (1961)

Inspirado por uma pintura de uma santa pouco conhecida e por uma fantasia erótica sobre como fazer amor com a rainha de Espanha enquanto ela estivesse drogada, Buñuel constrói o seu segundo filme da década de 60 – o primeiro foi “La Joven” – baseado, mais uma vez, em ideais espirituais que são eventualmente destronados pela estupidez humana.

Antes de tomar os votos piedosos, Viridiana (Silvia Pinal) é convocada para a casa do seu velho tio Don Jaime (Fernando Rey). Embora não o conheça bem, Viridiana implora à Madre Superior que a deixe ficar no convento, mas é-lhe lembrado que Don Jaime foi o seu benfeitor e que esta seria a última oportunidade para o visitar. Ironicamente, a Madre Superior sugere que Viridiana lhe mostre a sua afeição.

Ao que parece Viridiana teria uma intuição correcta ao não querer sair do convento, uma vez que o seu tio tem planos para ela e pede-lhe que fique na sua propriedade. Depois de explicar como a sua mulher faleceu na noite de casamento, consegue que Viridiana vista o vestido de casamento e, depois de a drogar com o auxílio da prestável empregada Ramona (Margarita Lozano), na manhã seguinte convence-a que tiveram relações sexuais, impedindo-a de voltar ao convento, pela vergonha. Mesmo assim, Viridiana parte mas é impedida de apanhar o autocarro pela notícia do suicídio do seu tio.

O velho aristocrata espanhol deixa em testamento a sua propriedade a Viridiana e ao seu filho Jorge (Francisco Rabal) – um verdadeiro contraste de caracteres. Enquanto Jorge é muito prático e com jeito para negócios, Viridiana pretende usar a mansão de família como abrigo para desalojados e vagabundos. Estes acabam por tirar vantagem da sua generosidade, que conduz o filme à sua sequência mais memorável – uma imitação hilariante da Última Ceia de Da Vinci acompanhada pelo Messias de Händel na orgia dos mendigos.

Embora o banquete de mendigos seja a cena mais notória do filme, há um número de outras cenas que também se destacam: o sonambulismo de Viridiana, a sua sexualidade reprimida ilustrada pela cena com a vaca leiteira e o fetiche de pés de Don Jaime. Mas a cena que mais se destaca é quando Jorge compra o cão a um camponês, de maneira a salvá-lo de maus tratos. Esta cena é retratada como uma anedota mas reforça a visão de Buñuel de como é impossível fazer uma diferença significativa neste mundo.

A cena mais marcante que escapou aos olhos mesquinhos da censura espanhola – por esta altura vive-se o franquismo em pleno e ao longo de todo o filme já foram abordadas explicitamente as questões do incesto e da violação – foi a cena final, onde é dada a ilusão de uma menage a trois.

Por esta altura Buñuel tinha 60 anos e nos últimos 10 anos tinha realizado cerca de 18 filmes. Fora quatro vezes a Cannes e já tinha sido entrevistado pelas melhores revistas de cinema. Com Viridiana teria uma entrada em grande nos sixties, com o pé direito

7/10

Pedro Xavier

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Alice (2005)

Envolvido num mundo penumbroso, enchendo Lisboa de nuvens cobertas, o filme segue um pai (Nuno Lopes) desesperado em busca da sua filha Alice, percorrendo todos os dias o mesmo percurso detalhado: de manhã distribui panfletos com a fotografia da filha; à tarde inspecciona e recolhe os vídeos de 11 câmaras de vigilância que tem espalhadas pela cidade, quer em casa de amigos, quer no topo de edifícios; pela noite, depois do trabalho (actor de teatro) visiona os vídeos simultaneamente em múltiplos televisores, na esperança de poder ver um lampejo da filha. Tem uma rotina obsessiva de maneira a manter aderente à sua sanidade a memória da filha.

Marco Martins está interessado em mostrar um filme em como as pessoas têm dificuldade em lidar com uma dor bastante profunda, mas a um nível íntimo e claustrofóbico, conseguindo combinar, ao mesmo tempo, um sentimento de esperança com o de exaustão permanente. Nuno Lopes consegue não dar à personagem um sentimento inferior ao da angústia, sempre que passa por todas as fases da sua obsessão, tornando palpável o estruturado e controlado desespero que tão dolorosamente é contrastado com a histeria da mulher Luísa (Beatriz Batarda).

Juntamente com o director de fotografia Carlos Lopes, Marco Martins pauta o seu filme com imagens sem sol que contribuem para um ambiente pós-traumático em que não parece haver separação entre os dias e as noites, sendo cada dia uma repetição do anterior. No meio de tal desolação, a música de Bernardo Sassetti desliza suavemente, aumentando a intensidade dramática de todo o ambiente.

Alice, o filme, é um poderoso estudo de dor intensa, mergulhado num profundo e convincente desespero. Certamente um dos melhores filmes produzido por terras lusas nos últimos anos.

8/10

Pedro Xavier