Depois do Adeus ao realizador e argumentista italiano Dino Risi, vem a jeito da review semanal lembrar uma das suas obras mais conhecidas, Profumo di Donna (1974). Pode-se rapidamente classificar o cinema do cineasta milanês como pertencendo ao género cómico: um artifício necessário para disfarçar uma abordagem crítica às disparidades sociais da vida quotidiana na Itália, através de um olhar cínico e cru.
Depois do lançamento em DVD ter sido tardio (como já é costume por parte das distribuidoras), Perfume de Mulher é, em muitos aspectos, mais negro, mais austero, mais severo e mais envolvente que o remake de 1992 – esta última versão galardoou Al Pacino com Oscar de Melhor Actor Principal. Na visão de ’74 do romance de Giovanni Arpino, Vittorio Gassman (premiado em Cannes) é o protagonista: um reformado militar cego, maneta, alcoólico, melancólico e sorumbático, um porco sexista que leva consigo um jovem soldado para o último fim-de-semana de deboche antes de executar um planeado suicídio colectivo com a ajuda da sua companheira – uma também reformada e incapacitada arma do exército.
Apesar do filme de ’92 ser visivelmente inspirado no seu predecessor, diferem bastante em pequenos detalhes. Enquanto o filme de Hollywood mostra um carismático protagonista de bom coração escondido por debaixo de uma camada exterior bruta, Gassman interpreta a personagem sem qualquer pingo de compaixão, um miserável bêbedo rejeitado pela sociedade. Em vez de dançar o tango e proclamar monólogos moralistas e intolerantes perante as opiniões de outras pessoas, Gassman limita-se a estar na companhia de afectuosas companhias, raparigas jovens e atraentes, comprometendo-se em fúrias consequentes de muito álcool e a abusar emocionalmente de quem quer que se aproxime dele. Não quer dizer que o “capitão” Al Pacino não o faça também, embora prevaleça de sobremaneira incontornável o atraente e bruto espírito mediterrânico.
Esta personalidade, sob a sua aparente força, abuso verbal, intransigência, irreverência e desdém pelas convenções de compaixão das quais é refém, esconde um profundo desespero e vulnerabilidade. Este é o interesse fundamental do filme que Dino Risi filma magistralmente: a verdade dos efeitos pós-guerra, o menosprezo e a falta de apoio para com os soldados da pátria.
Agostina Belli interpreta Sara, uma jovem rapariga apaixonada, é a única que conhece todas as facetas do capitão e não se conforma com a sua enfermidade. Residem maioritariamente nos close-ups a Agostina Belli as imagens mais belas do filme. Se o filme permanece, em certa medida actual, é a fotografia de Claudio Cirillo que lhe dá um certo ar de vintage look e algo de temporalmente característico dos filmes dos anos 70.
Pedro Xavier
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