Envolvido num mundo penumbroso, enchendo Lisboa de nuvens cobertas, o filme segue um pai (Nuno Lopes) desesperado em busca da sua filha Alice, percorrendo todos os dias o mesmo percurso detalhado: de manhã distribui panfletos com a fotografia da filha; à tarde inspecciona e recolhe os vídeos de 11 câmaras de vigilância que tem espalhadas pela cidade, quer em casa de amigos, quer no topo de edifícios; pela noite, depois do trabalho (actor de teatro) visiona os vídeos simultaneamente em múltiplos televisores, na esperança de poder ver um lampejo da filha. Tem uma rotina obsessiva de maneira a manter aderente à sua sanidade a memória da filha.
Marco Martins está interessado em mostrar um filme em como as pessoas têm dificuldade em lidar com uma dor bastante profunda, mas a um nível íntimo e claustrofóbico, conseguindo combinar, ao mesmo tempo, um sentimento de esperança com o de exaustão permanente. Nuno Lopes consegue não dar à personagem um sentimento inferior ao da angústia, sempre que passa por todas as fases da sua obsessão, tornando palpável o estruturado e controlado desespero que tão dolorosamente é contrastado com a histeria da mulher Luísa (Beatriz Batarda).
Juntamente com o director de fotografia Carlos Lopes, Marco Martins pauta o seu filme com imagens sem sol que contribuem para um ambiente pós-traumático em que não parece haver separação entre os dias e as noites, sendo cada dia uma repetição do anterior. No meio de tal desolação, a música de Bernardo Sassetti desliza suavemente, aumentando a intensidade dramática de todo o ambiente.
Alice, o filme, é um poderoso estudo de dor intensa, mergulhado num profundo e convincente desespero. Certamente um dos melhores filmes produzido por terras lusas nos últimos anos.
Pedro Xavier
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