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quarta-feira, 16 de julho de 2008

The Savages - Os Savages (DVD)

Não deixa de ser desconcertante a falta de atenção que Portugal dá ao chamado cinema independente e de autor. A ideia (um estigma) de que tudo o que não vier de Hollywood é maçador, chato e, consequentemente, irrelevante, tornou-se numa banalidade profunda, que dificilmente será superada. Pior ainda é quando essa mentalidade (público, distribuidoras, comentadores) se estende ao cinema americano, não à grande máquina que é Hollywood, mas à pequena, a que ainda produz cinema de qualidade através, maioritariamente, dos argumentos e das performances dos actores.

Este é o caso de The Savages, nomeado pela academia para a cerimónia deste ano em duas categorias principais (Melhor Actriz Principal e Melhor Argumento Original) – um filme completamente ignorado (disponível em Portugal apenas em DVD) e que está, sem qualquer dúvida, acima da qualidade mediana que caracteriza a grande maioria do cinema produzido nos dias de hoje.


Tamara Jenkins mede a profundidade de um novo terror no seu mais recente filme - The Savages – o terror de se ter de lidar com o território desconhecido da impotência perante familiares que sofrem de demência. A problemática interior agrava-se quando se está a cuidar de um pai (Philip Bosco) que nunca antes cuidou dos filhos. É difícil imaginar um teste maior à solidariedade familiar quando se deparam com a decisão do que fazer com um parente doente.

Wendy Savage e Jon Savage (Laura Linney e Philip Seymour Hoffman) são os filhos de meia-idade cuja relação entre eles e o pai leva até ao limite a própria definição de família (mais precisamente a definição de adulto). Tamara Jenkins, apesar de nos esfregar na cara os sintomas da demência, não deixa de apresentar uma tristeza melancólica, consciente de que nestas questões, a morte e a pena andam de mão dada com a comédia negra.


A morte, como tema central, já foi tornada num lugar-comum, no entanto não deixa de ser uma assombração no sótão de cada um de nós. A maioria dos filmes torna-a num inimigo sem rosto, a qual se deve lutar e resistir. N’ Os Savages e n’O Escafandro e a Borboleta, a mortalidade é levada a sério como sendo inevitável e que se deve aceitar.

N’ Os Savages, apesar da grande performance física de Philip Bosco, é no seu núcleo uma história sobre os dois irmãos que falham permanentemente, quer na vida pessoal, quer nos cuidados ao pai. Laura Linney porta-se lindamente como mulher à beira de um ataque de nervos sendo, no entanto, uma mulher criança incapaz de assumir qualquer tipo de compromisso a nível pessoal. Jenkins não é sentimentalista nem condescendente com as suas personagens (importando uma expressão típica americana, são uns losers). Philip Seymour Hoffman afirma-se, mais uma vez, como um dos maiores actores contemporâneos dando forma e vida a um professor de filosofia que, à semelhança da irmã, é incapaz de terminar um livro sobre Brecht e impotente quanto à resolução da sua vida amorosa. A peça semi-autobiográfica de Wendy Savage “Wake Me When It’s Over” é finalmente completa quando o pai morre.

Jenkins dá-nos a morte como juízo final e como a sua influência reduz à miséria todos os que a rodeiam.




Pedro Xavier

terça-feira, 1 de abril de 2008

Peter & The Wolf (DVD)

Pedro e o Lobo”, a história de um rapaz e os seus amigos animais - um pato, um gato, um pássaro - ameaçados por um lobo esfomeado, há muito que é um conto favorito não só de miúdos mas também de graúdos. O conto de 1936 escrito por Sergei Prokofiev já foi gravado por inúmeras vezes, em colaboração com as mais reconhecidas orquestras e narradores. A maioria das gravações permite aos ouvintes desfrutar da música – também ela composta por Prokofiev – acompanhada pela voz do narrador, que identifica e atribui cada instrumento às diversas personagens, quer sejam animais, quer sejam humanas.

Tal como os contos dos irmãos Grimm, uma boa história é sempre atractiva para os realizadores e não é de surpreender que o conto já tenha sido adaptado por diversas vezes, incluindo a versão clássica de 1946 apresentada pela Disney (imagem abaixo). Talvez por não querer seguir o mesmo destino que deu à progenitora de Bambi, a versão da Disney permite que o pato viva no final não esquecendo referir, mesmo assim, a crua realidade dos animais terem de comer outros animais para sobreviver.



Esta nova versão em stop-motion apresentada pela galardoada Suzie Templeton – vencedora de um Oscar e um BAFTA na categoria de Melhor Curta de Animação – é inovadora, com algumas alterações, mas sem afectar a beleza e o horror do conto musical de Prokofiev. O essencial está lá: enquanto o avô dorme, Pedro esgueira-se para além da cerca limitadora da casa para brincar com os amigos pato e pássaro num pequeno lago congelado na floresta, até que aparece o lobo. Após consumado o destino do pato, Pedro consegue apanhar o lobo com uma rede e impedindo-o de fazer mais mal.


A equipa de animação de Templeton criou uma espécie de aldeia rural Russa como cenário, caracterizada por imensos detalhes e habitantes sombriamente distintos. As personagens humanas não falam – assim como não há qualquer narração ao longo do filme – mas os pensamentos e sentimentos são claros e expressos pelas caras – no caso de Pedro, é a intensidade dos seus grandes olhos o factor essencial que nos mostra os sentimentos de fúria, vingança ou alegria; já no caso do avô, será a sua pele enrugada e gasta através de décadas de vivências. A verdadeira alegria do filme é demonstrada pelas acções antropomórficas dos animais – o pato, gato, o pássaro - os seus sentimentos de afecto para com Pedro e as suas reacções quando gozam, perante o embaraço do outro.


A música de Prokofiev só entra em cena quando Pedro consegue escapar a cerca da sua existência. É frequentemente dividida em pausas dramáticas, que acentuam o desempenho emotivo das personagens. Embora o conto seja originalmente dedicado às crianças, o tom negro de “Pedro e o Lobo” de Suzie Templeton e a morte do pato serão como um choque para aqueles que esperam uma versão desinfectada da história, tornando-se uma mais-valia para Templeton quando, após vários visionamentos, apercebermos-nos da comovente relação de amizade que liga o rapaz ao animal.


8/10

Pedro Xavier


domingo, 30 de março de 2008

Die Fälscher - Os Falsificadores

A “Operação Bernhard” foi o plano Nazi para falsificar milhões de libras esterlinas e dólares americanos, com o objectivo de inundar as economias dos países aliados enquanto financiavam o esforço da guerra. No maior esquema de falsificação de sempre, tipógrafos judeus e outros habilitados na arte de copiar falsificaram, no campo de concentração de Sachsenhausen, mais de mil milhões de libras, em notas de 5, 10, 20 e 50, muitas das quais, depois de entrarem em circulação, o Banco de Inglaterra nunca mais voltou a encontrar. No entanto, o seu trabalho no campo de Sachsenhausen impunha aos prisioneiros judeus um terrível dilema moral: quanto mais dinheiro produziam, mais tempo viviam e mais financiavam e fortificavam a posição alemã na guerra.

Enquanto põe esta questão ética aos prisioneiros, o realizador e argumentista Stefan Ruzowitzky dá-nos um drama tenso, intenso e, deva-se dizer, agradável. Ou será desagradável?


A chave para o sucesso de “Die Fälscher – Os Falsificadores” está na escolha do seu herói – ou anti-herói – o único vigarista de entre os artesãos, o falsificador profissional Salomon Sorowitsch (Karl Markovics). O filme começa em 1936 com Sorowitsch, um Judeu Russo em Berlim, a celebrar e a colher dividendos da sua vida de vigarista. Quando é apanhado, é enviado para o campo de concentração de Mauthausen, onde sobrevive alguns anos a pintar os retratos de oficiais das SS.


O oficial Sturmbannführer Friedrich Herzog (David Striesow), encarregado da “Operação Bernhard” e também responsável pela detenção de Sorowitsch, consegue transferi-lo para Sachsenhausen. Separados do resto do campo, os artesãos falsificadores têm camas confortáveis, comida suficiente e música, enquanto continuassem a produzir dinheiro. Ainda assim, conseguiam ouvir os gritos dos restantes prisioneiros do outro lado da cerca.


Interpretado com uma subtileza extraordinária, a personagem do actor Austríaco Karl Markovics, é uma figura complexa: um artista autêntico que prefere falsificar a pintar; um homem pragmático cuja vontade de sobreviver ao fazer tudo o que for necessário para se manter vivo contradiz a sua piedade genuína; a sua figura fria é apenas uma carapaça de um homem que conheceu o sofrimento às mãos dos Soviéticos, antes de emigrar para a Alemanha. Igual ao chefe dos falsificadores, é o comandante Herzog, um Nazi que não acredita na doutrina – há um momento do filme que confessa a Sorowitsch ser comunista – e que, tal como outros, foi apanhado na rede da guerra e seguiu o lema se não os podes vencer junta-te a eles. Embora do outro lado da rede e tal como Sorowitsch, tenta fazer tudo ao seu alcance para sobreviver – esta necessidade torna-se o elo de ligação entre os dois homens.


Também subtil é a realização de Ruzowitzky. Assim como os falsificadores estão isolados da crueldade que abala o resto do campo, também o está o espectador. Quando há uma intromissão, não deixa de ser da mais horrível, que dá a volta ao estômago, tal como se viu em “A Lista de Schindler” (Steven Spielberg, 1993).


Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro este ano, o filme “Os Falsificadores” é uma interessante perspectiva sobre a adversidade moral, física e emocional encontrada nos campos de concentração, vista pelo anti-herói menos comum que se tem encontrado ultimamente.


Ver trailer de Os Falsificadores


8/10


Pedro Xavier


terça-feira, 11 de março de 2008

O Escafandro e a Borboleta (DVD)

O Escafandro e a Borboleta” é um daqueles filmes que, tendo estreado no final de Outubro do ano passado, passou completamente despercebido à maioria do público, exceptuando aos amantes do cinema francês. Confesso que fui um dos muitos a quem este filme passou ao lado mas, passados alguns meses, como voltou às luzes da ribalta através da cerimónia dos Oscar - ainda por cima numa categoria importante como a de Melhor Realização – não pude deixar de perder um domingo à tarde para me dedicar à sua visualização.

Jean-Dominique Bauby (Mathieu Amalric) era o editor parisiense da revista Elle até ter sofrido um acidente cerebral que o deixou totalmente paralisado, com a excepção de um olho. Para além de ter sido um playboy, também fora um pai excepcional, um marido irresponsável e um grande escritor. Nos primeiros minutos o realizador Julian Schnabel mostra-nos imagens difusas e desfocadas, acompanhadas pelas vozes dos médicos e enfermeiras que ajudam o espectador a colocar-se na posição de Jean-Do (só o ouvimos em voz off), após ter despertado de um coma de três semanas. Jean-Do recebe a terrível notícia de que sofre de um locked in syndrome, provocado pelo acidente cerebral. Comunicando exclusivamente pelo olho sobrevivente, Jean Do consegue “ditar” frases seguidas que revelam a sua experiência no cárcere que se tornou o seu corpo, comparando-o a um corpo fechado num escafandro, impossibilitado de comunicar. As frases que ditou constituem a autobiografia na qual se baseia este filme e que foi publicada dois dias antes do seu coração ter sucumbido às consequências de uma pneumonia.

A partir do momento que ultrapassa a confusão inicial do estado de Bauby, o filme avança alternando entre as cenas que vive no seu estado estático e as lembranças da sua antiga vida, por vezes conjugando-as em fantasias onde participam as belas enfermeiras que o acompanham. Estas são imagens representativas da personalidade de mulherengo que outrora foi. Na maioria das memórias que invoca intervêm antigas amantes ou o pai (uma interpretação comovente de Max Von Sydow), fantasias coloridas – as borboletas – do que Bauby realmente viveu.

Julian Schanel juntou-se ao argumentista Ronald Harwood e numa palete misturou as cores das borboletas, revelando uma realização audaciosa, alternada entre momentos confusos vanguardistas e outros de uma beleza comovente, de maneira a trazer a história de Bauby ao grande ecrã. Surpreendente é a forma como Schnabel filma os momentos mais melodramáticos, em especial os da visita da sua mulher (Emmanuelle Seigner) e dos filhos, um telefonema do pai e outro da mulher pela qual deixou a sua família. Mathieu Amalric tem, talvez, a melhor interpretação que temos visto em filmes do ano passado, representando uma personagem que a todo o custo se tenta agarrar às pequenas coisas que o ainda tornam humano.

O Escafandro e a Borboleta” é um filme que nos faz pensar na efemeridade da vida e um grande momento de cinema, especialmente pelos gritos de Bauby, que não são ouvidos por ninguém, excepto nós.

8/10

Pedro Xavier

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Expiação

Há momentos – delirantes, lânguidos, românticos – em que “Expiação” parece ter características próprias de um filme clássico. No entanto será que a sua trágica e épica história de amor é demasiado opaca, inerentemente enigmática, de modo a não despoletar os mecanismos necessários a uma divulgação vencedora? Não. De facto, “Expiação” foi um sucesso. O nomeado para Melhor Argumento Adaptado Christopher Hampton e o realizador Joe Wright – que incompreensivelmente não recebeu a nomeação para Melhor Realizador – decerto tornaram o romancista Inglês Ian McEwan orgulhoso da versão espectacular que puseram no ecrã do seu livro “Atonement”.

Antes da grande noite começar, “Expiação” já tinha recebido dois BAFTA (Best film, Best Production Design) e dois Golden Globes (Best Motion Picture Score, Best Original Score). No encerrar da cerimónia, levou apenas a estatueta de Melhor Banda Sonora Original composta por Dario Marianelli (“V for Vendetta”). Embora tivesse sido aclamado como favorito, a ascensão súbita do filme de Paul Thomas Anderson “Haverá Sangue e deEste País Não é Para Velhosdos irmãos Coen, deitou por terra qualquer esperança da longa-metragem de Joe Wright arrebatar o galardão principal. No entanto, não há margem para dúvidas acerca da qualidade artística e técnica do filme.

Abaixo podemos observar duas sequências, não por serem pedras basilares no avanço da narrativa, mas pela sua beleza e essências antagónicas.

A primeira é fundamental para o desenvolvimento da intriga amorosa das personagens Cee (Keira Knightley) e Robbie (James McAvoy). Cee representa a filha subproduto modernista dos golden twenties e Robbie o sentimento de apego às tradições. Ambos diferem pela sua condição social e, mais que a propósito, é ele que ao por a ária “O Soave Fanciulla” (acto I de “La Bohème” de Puccini) dá a entender, embora em espaços disjuntos, os seus sentimentos. Trata-se de um prelúdio, uma declaração do novo amor encontrado e um rito de iniciação sexual desenvolvido pelo diálogo imaginário que travam um com o outro, num magnífico encontro dado pelo jogo de espelhos e a máquina de escrever e que termina, então, com Cee a retirar do armário um vestido verde – simbolizando o vigor e a frescura da juventude – em alternativa ao vestido negro, representado assim como o distanciamento da sofisticação e do luxo que viria a acontecer. Tal como em “La Bohème”, o final não poderia ser outro senão trágico.

O segundo momento que marca o filme é, como já se sabe, o soberbo plano sequência em que Joe Wright sobrevoa através da violência e do caos provocados por soldados revoltados/felizes (?), à espera de embarcar na praia de Dunquerque. Toda a felicidade do rosto de Robbie é apagada quando se depara com tal cenário, uma camuflagem à representação icónica do desespero e podridão humana face à guerra.

Pedro Xavier

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

80ª Edição dos Óscares - Análise e Vencedores

O texto seguinte foi publicado no blog Deuxieme a 25 de Fevereiro de 2008, com o título: «A Pluralidade dos Óscares».

A 80ª edição dos Óscares – que tratou de premiar os melhores filmes de 2007 – ocorreu ontem no Kodak Theatre, uma vez mais, com grande pompa e circunstância. Jon Stewart foi o anfitrião da cerimónia, que foi uma das mais curtas (cerca de 3 horas e 15 minutos), mas soube agarrar o seu papel e proporcionou-nos vários momentos bons de televisão (a cena do iPhone com o Lawrence da Árabia e o “Óscar Bebé” e as suas nomeadas e vencedora foram delirantes). Perante um constante elogio e referência às edições anteriores, este, contudo, é (mais) um ano de viragem e de novas realidades.

O ponto mais importante centra-se na questão pluralista da arte que é celebrada e homenageada. Cada vez mais as grandes distribuidoras em Hollywood repensam a indústria, e todo o seu conceito do “That’s Entertainment!”, que adquire hoje novas formas criativas, como a noite passada nos demonstrou. Se é certo que o cinema americano ocupa o mais importante papel na sétima arte a nível de espectáculo e “showbizz”, é então certo que todas as escolas e formatos cinematográficos do resto do mundo fazem falta para marcar presença neste grande conceito. Nessa medida, é notório o crescimento plural nas várias áreas do cinema, ou seja é cada vez maior (e mais importante) a influência exterior artística – a nível do visual, da escrita, da representação e outras categorias – dentro do próprio cinema dito “americano clássico”, que se reinventa a cada ano sobre diversas formas (Haverá Sangue, Este País Não É Para Velhos e No Vale de Elah são os mais recentes exemplos a ter em conta).

Como tal, é com alegria que vemos Javier Bardem dirigir o seu (justíssimo) prémio para Espanha, país de grande cinema e autores; por isso também nos comovemos com a alegria inesperada de Marion Cotillard a receber o mais alto prémio feminino, num registo fílmico “poeticamente europeu”. Preferências de parte, contava com a consagração de Paul Thomas Anderson no prémio para melhor obra, sobretudo porque acho que Haverá Sangue "seria" o "justo" vencedor. No entanto, é-me impossível empregar a palavra "justo" desta forma, pois Este País Não É Para Velhos é uma obra-prima (possivelmente o melhor filme dos Coen, seguido de Sangue por Sangue e Fargo), e o prémio assenta-lhe que nem uma luva. Na verdade, não existia nenhum nomeado que não merecesse a estatueta dourada na categoria de Melhor Filme.

Em suma, Hollywood já não se faz valer exclusivamente da “prata da casa”, e reconhece, sem limites nem precedentes, a vida cinematográfica da actualidade, sem constrangimentos nacionais, ideológicos, religiosos ou políticos. E tudo isso nos encaminha para um futuro cada vez mais promissor, onde se alargam fronteiras e horizontes sobre o mundo do cinema. Por tudo isto, ontem foi-nos relembrado que os Óscares, se dúvidas houvesse, não são americanos, são do mundo inteiro.

Aqui vos deixo os Vencedores da 80ª Cerimónia:

Melhor Filme: Este País Não É Para Velhos
Melhor Actor Principal: Daniel Day-Lewis
Melhor Actriz Principal: Marion Cotillard
Melhor Actor Secundário: Javier Bardem
Melhor Actriz Secundária: Tilda Swinton
Melhor Realização: Joel e Ethan Coen
Melhor Argumento Original: Juno
Melhor Argumento Adaptado: Este País Não É Para Velhos
Melhor Fotografia: Haverá Sangue
Melhor Montagem: Ultimato
Melhor Direcção Artística: Sweeney Todd
Melhor Guarda-Roupa: Elizabeth - A Idade do Ouro
Melhor Caracterização: La Vie en Rose
Melhor Banda Sonora Original: Expiação
Melhor Canção Original: Once
Melhor Sonoplastia: Ultimato
Melhor Edição de Som: Ultimato
Melhores Efeitos Especiais: A Bússola Dourada
Melhor Filme de Animação: Ratatui
Melhor Filme Estrangeiro: Os Falsificadores
Melhor Documentário: Taxi to the Dark Side
Melhor Curta Documental: Freeheld
Melhor Curta Acção: Le Mozart des Pickpockets
Melhor Curta Animação: Peter & the Wolf
Óscar Honorário: Robert Boyle


Francisco Toscano Silva

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Elizabeth: The Golden Age

Quando se falou de “Juno” referiu-se a mais do que merecida nomeação de Ellen Page para o galardão de Melhor Actriz nos prémios da Academia. Entre as outras actrizes nomeadas está Cate Blanchett.

Quase uma década depois do impressionante e inesperado sucesso em “Elizabeth” (1998), Cate Blanchett repete o papel da monarca inglesa mais retratada na história do cinema. “Elizabeth: The Golden Age” é há já muito tempo a sequela que Shekhar Kapur tanto esperava realizar, mas (uma vez mais) é Blanchett que molda o filme à sua forma.

A história recomeça em 1585. Elizabeth enfrenta a ameaça de Filipe (Jordi Molla) - rei de Espanha - e de toda a igreja Católica, que pretendem retirá-la do trono e substituí-la por Mary (Samantha Morton), rainha católica dos Escoceses. Enquanto Filipe constrói uma armada, conspiradores Ingleses elaboram o seu plano para retirar Elizabeth do poder. A força de Elizabeth nasce da sua vulnerabilidade e esta advém do seu complexo relacionamento com o aventureiro Sir Walter Raleigh (Clive Owen), um nobre adequadamente carismático que traz tesouros do Novo Mundo. Nos momentos de intimidade, permite que a rainha virgem lhe revele o desejo oculto de normalidade – um desejo de amar, casar e ter filhos. A preparação para a tentativa de invasão da armada Espanhola pode, no entanto, parecer um mero ruído de fundo enquanto Elizabeth luta contra as suas próprias inseguranças. Todavia, as cenas da batalha final são de uma grandeza estonteante.

Blanchett é mais uma vez incrível, particularmente quando liberta toda a sua fúria e temperamento. A actriz tem desenvolvido um percurso cuidadoso no que diz respeito à escolha das personagens. Ao trabalhar com conceituados realizadores – Martin Scorsese, Wes Anderson, Richard Eyre, Alejandro Iñarritu, Peter Jackson, Steven Soderbergh – já conseguiu arrecadar inúmeros prémios e 5 nomeações para os Oscar, das quais já levou um para casa pelo seu papel em “O Aviador” (2004). Este ano, apesar do seu desempenho, não se espera que leve mais outra estatueta na categoria principal. Prevê-se que a recompensa virá por ter representado um heterónimo do já lendário cantor e compositor norte-americano Bob Dylan em “I’m Not There”, de Todd Haynes.

Voltando ao filme, infelizmente a sua beleza e a magnífica interpretação de Blanchett não chegam. Shekhar Kapur parece estar mais preocupado com o guarda-roupa – a outra nomeação para além da da actriz – do que com um desenvolvimento mais sustentado e aprofundado das personagens secundárias, que tornam as sub-intrigas pouco vigorosas. Resumidamente, “Elizabeth: The Golden Age” é um filme agradável mas muito menos sério e rigoroso que o seu predecessor.

6/10

Pedro Xavier

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Juno

A História

Juno (Ellen Page) é uma miúda invulgar cuja personalidade está de acordo com o seu primeiro nome. Chica-espera, espirituosa e demasiado madura para a sua idade – dezasseis aninhos – Juno vê-se confrontada com uma gravidez inesperada, após um encontro sexual com o seu melhor amigo Paulie Bleeker – estavam aborrecidos e tinham de arranjar maneira de fazer passar o tempo. Embora inicialmente se sinta mais inclinada para realizar um aborto, Juno decide não o fazer – convencida que o bebé já teria unhas – e a dar o filho para a adopção.

Esta decisão leva-a a confrontar o pai (J.K. Simmons) e a madrasta (Allison Janney) com a notícia – apenas porque esconder uma barriga durante nove meses seria impossível. Surpreendentemente, os pais recebem a notícia mais ou menos bem – lá bem no fundo sabiam-no mas ter-se metido nas drogas ou em álcool teria sido “menos mal”.

Á medida que o parto se aproxima, Juno receia que o seu relacionamento com Bleeker, por quem esteve sempre atraída mas negando ter sentimentos por ele - para além dos da amizade – se deteorize. Por esta altura, é obrigada a rever o seu compromisso de dar o seu filho aos pais adoptivos Vanessa (Jannifer Garner) e Mark (Jason Bateman), quando o casal parece não ser o potencial “casal perfeito” que julgava ser.

A Equipa

Eis o que se pode dizer após ver “Juno”: a guionista Diablo Cody (ex striper e blogger) é extremamente talentosa. Entende como as pessoas falam, como construir personagens envolvidas numa história atraente que, em vez de cuspirem diálogos inverosímeis, exclamam uma oralidade verdadeira; Jason Reitman provou que o sucesso do seu último filme “Thank You for Smoking não foi obra do acaso; por último, mas sem menor importância (pelo contrário!), Ellen Page é uma “força da natureza” da representação. Qualquer que seja o papel que venha a aceitar no futuro, Juno será sempre considerado como uma das suas melhores representações. Já tínhamos tido um “cheirinho” do potencial de Ellen Page em “Hard Candy” – uma personagem perturbadora, uma “capuchinho vermelho” mazinha - mas é em “Juno” que salta para outro nível, o campeonato das grandes actrizes.

O Veredicto

Em “Juno”, o cinema encontrou uma improvável e mitológica heroína. Simples mas complexa, bruta mas por vezes meiga, Juno é uma adolescente que triunfa por seguir os seus instintos na complicada fase que é a transição da adolescência para a idade adulta, sem ter qualquer mapa que a guie. Embora este ano não tenhamos os peso-pesados Martin Scorsese, Clint Eastwood e Steven Spielberg na corrida pelos Oscars, temos os irmãos Coen (“No Country for Old Men) e Paul Thomas Anderson (“There Will Be Blood) na luta pelos prémios principais. Poderão haver sempre surpresas – o prémio de melhor actriz seria justificadíssimo – mas, não as havendo, “Juno” já é um must see obrigatório (para adultos) e um dos melhores filmes de 2008.

10/10

Pedro Xavier

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Gone Baby Gone

Os detectives de pessoas desaparecidas Patrick (Casey Affleck) e Angie (Michele Monaghan) foram contratados para assistir a polícia de Boston na procura de Amanda, uma rapariga de quatro anos recentemente raptada. Tirando partido de vários contactos que não falam com a polícia, Patrick e Angie descobrem segredos sobre a família da menina, traficantes de droga do bairro e do detective Remy Bressant (Ed Harris).

Pergunta-se o seguinte: pode-se afirmar que o realizador Ben Affleck nos apresenta uma obra diferente e não um remake do filme que adapta a última obra de Dennis Lehane, “Mystic River” de Clint Eastwood?

Bem, sem ter a mesma elegância do filme de Eastwood, em última análise “Gone Baby Gone” faz uma óptima exploração daquele espaço vago e cinzento que está compreendido entre os meios e os fins. É um drama policial que vai muito mais além das noções de bem e mal – é um filme interessado em mostrar como as pessoas criam as suas próprias definições de justiça.

Tal como mostrou em “The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford”, Cassey Affleck tem uma excelente interpretação. O irmão Ben podia-lhe ter dado mais alguma carga dramática no seu relacionamento com Angie mas, no entanto, deu-lhe uma permanente e melancólica moralidade que não está de acordo com um mundo mais virado para os resultados em vez de olhar para a consciência.

Ben Affleck, como realizador, não faz um mau trabalho mas há momentos no filme - reviravoltas - que mereciam maior densidade dramática do que na realidade tiveram. Temos de nos lembrar que aconteceu algo realmente… importante.

5/10

Pedro Xavier

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Haverá Sangue

O texto seguinte foi publicado no blog Deuxieme a 16 de Fevereiro de 2008, com o título: «Estreia da Semana (uma Obra-Prima a ver)».

Após as favoráveis críticas estrangeiras, Haverá Sangue (no seu original There Will Be Blood), o novo filme de Paul Thomas Anderson, chega finalmente às salas nacionais, e era um dos mais aguardados filmes para este ano, que concorre em várias categorias (8 nomeações, incluindo Melhor Filme e Melhor Actor) para a 80ª cerimónia dos Óscares (a acontecer no dia 24 deste mês).

No início do século XX, Daniel Plainview (o formidável Daniel Day-Lewis), um pequeno prospector de prata, descobre, através de uma dica, que a degradada cidade de Little Boston na Califórnia é um verdadeiro poço de petróleo, onde este “ouro negro” se revela à superfície. Confiante na sorte, Daniel viaja até lá com o seu filho H.W. (Dillon Frasier), e à medida que o negócio ganha uma notória prosperidade e o petróleo se confirma como um dom da natureza e um objecto de riqueza, Plainview, o seu filho e a religiosa comunidade fanática que os albergou, liderada por Eli Sunday (Paul Dano), vão viver as consequências do poder deste “sangue”, berço de conflitos e corrupção que os vai minar a todos a nível material e moral, num caminho sem retorno.

Para vos situar da magnitude desta peça de cinema, pego numa frase do crítico João Lopes para resumir, de forma muito concisa mas justa, o que temos pela frente: “Haverá Sangue é um dos filmes maiores do século XXI americano”, e mais não seria preciso escrever, pois é precisamente isso. Estamos, de facto, perante a estreia de um filme absolutamente fabuloso em todos os sentidos que o cinema encerra em si – na sua forma artística, na narrativa em forma de parábola, no sentido do drama histórico, na actual vertente temática, na qualidade da concepção e acabamento da obra - e toca a perfeição.

Baseado livremente no romance Oil!, de Upton Sinclair, Paul Thomas Anderson volta a demonstrar que é um grande realizador e contador de histórias, e como tal, o “sangue” do título identifica-se como o recurso natural oleoso, que em simultâneo adquire o seu sentido lato de líquido que nos corre nas veias: o realizador fala-nos do “sangue” que “corre” sobre a terra, sobre os homens, sobre a fé (Cristo) – e é neste triângulo dramático, interligado entre si, que nos fornece um filme de enorme riqueza, que se sobressai do panorama actual (onde este ano já figuram filmes fabulosos como No Vale de Elah, O Lado Selvagem ou The Darjeeling Limited) e nos deixa completamente extasiados ao longo de duas horas e meia de cinema em estado puro, numa realização soberbamente bem conseguida (o longo início do filme sem diálogos e o seu assombroso final são dois momentos que guardam já um lugar na história do cinema contemporâneo) e interpretações muito bem conseguidas – Day-Lewis é uma vez mais uma força da natureza – e ainda uma invulgar e notável banda sonora iminentemente narrativa, a cargo de Jonny Greenwood, guitarrista dos Radiohead. É, em suma, um filme obrigatório que marca desde já este ano, e todos os outros desde o nascimento da Sétima Arte. Uma verdadeira e original Obra-Prima.

10 /10 – Magnífico

Francisco Toscano Silva