quarta-feira, 28 de maio de 2008

A Mão No Arado


A Assírio & Alvim publicou, por ocasião do Dia Mundial da Poesia (21 de Março), o pequeno livrito de poesia Orla Marítima e Outros Poemas, de Ruy Belo (em exclusivo para a FNAC). Devo dizer que estas iniciativas são extremamente louváveis (e burro de quem não as aproveita). Eu por mim, tive a sorte de apanhar um exemplar. Não sendo grande especialista no que toca a poesia, deixo-vos aqui, no entanto, aquele que foi, para mim, o mais feliz poema contido na pequena obra, intitulado A Mão No Arado.

Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará

Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh! como é triste arriscar em humanos regressos
o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão
ao longo do mar transbordante de nós
no demorado adeus da nossa condição
É triste no jardim a solidão do sol
vê-lo desde o rumor e as casas da cidade
até uma vaga promessa de rio
e a pequenina vida que se concede às unhas
Mais triste é termos de nascer e morrer
e haver árvores ao fim da rua

É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro
É triste no outono concluir
que era o verão a única estação
Passou o solidário vento e não o conhecemos
e não soubemos ir até ao fundo da verdura
como rios que sabem onde encontrar o mar
e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver
através de palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã

Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância
revendo tudo isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora
É muito triste andar por entre Deus ausente

Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente
Sara Toscano

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