O texto seguinte foi publicado no blog Deuxieme a 3 de Maio de 2008, com o título: «Estreias da Semana».
HOMEM DE FERRO
Os destaques da semana começam pelo primeiro blockbuster de Verão (entenda-se que o "Verão cinematográfico" começa sempre antes da estação em si), que chegou esta quinta-feira às salas portuguesas, e refira-se, com pompa e circunstância. Homem de Ferro é o mais recente filme de Jon Favreau (realizador de Zathura — Aventura no Espaço e Elf — O Falso Duende), que junta um elenco muito forte onde Robert Downey Jr. e Gwyneth Paltrow se afirmam de uma forma extremamente graciosa. Partindo das origens deste famoso super-herói criado por Stan Lee (que possui um hilariante cameo confundido na pele de Hugh Hefner) nos anos 60, Homem de Ferro conta a história de Tony Stark (Robert Downey Jr.), um bilionário génio da invenção científica, que se afirma como um dos maiores expoentes da indústria bélica dos EUA. Após ser raptado por forças terroristas num país hostil, Stark vê-se obrigado a construir uma máquina de armamento e destruição para sobreviver, e ao ganhar contacto com uma realidade que desconhecia mas ajudou a criar, Stark vai inverter a missão da sua vida ao salvar todos do mal que semeou com a sua actividade.
O Homem de Ferro foi inicialmente criado sobre o prisma da realidade do Vietname, mas isso não causou entrave a Favreau, que readapta as coordenadas e vira-se para ao Médio Oriente, sobre um olhar irónico da reconversão da personagem de Stark (e que nos faz pensar uma vez mais sobre as actuais políticas de guerra e conflito mundiais). O resultado é um filme absolutamente bem conseguido, dotado de vários ingredientes que lhe dão uma frescura e beleza irreprensíveis. O argumento é soberbo e bem construído, servido com prestações fabulosas de todo o elenco, onde ainda se destacam Jeff Bridges num vilão de peso e Terrence Howard como parceiro e amigo do herói; mas é para Downey Jr. que os aplausos se acentuam em força - seja pelo facto de confirmar que é um dos actores maiores das últimas décadas, como também pela questão de mestria utilizada a vestir o papel desta complexa e interessante personagem, que apesar de famosa, nunca obteve junto do público uma atenção como o Homem-Aranha ou Super-Homem ou Batman obtiveram. É por isso brilhante ver como o carisma e o ar dandy e cool de Downey Jr. se misturam na perfeição com o de Tony Stark, tão bem equilibrado pela sua assistente Virginia "Pepper" Potts - a deliciosa Gwyneth Paltrow). De resto temos acção trepidante, uma excelente banda sonora, um ritmo narrativo que não conhece tempos mortos e uma aposta mais do que ganha sobretudo para a Marvel Studios, que se estreia, com este filme, no total financiamento de uma super-produção para a Sétima Arte. Estamos, de facto e em suma, perante cinema de ferro, onde falta muito pouco para se atribuírem valores máximos.
4/5
MY BLUEBERRY NIGHTS - O SABOR DO AMOR
A semana traz ainda outro doce, desta vez pelo olhar de Wong Kar-Wai. Chega-nos, finalmente, My Blueberry Nights (entre nós O Sabor do Amor), filme que marca a estreia de Norah Jones no cinema (uma subtil e fascinante estreia refira-se: parece que estamos perante o nascimento de uma estrela). Jones é a (inicialmente) desamparada Elizabeth, a personagem principal (e elo de ligação) que se vê a braços com um desgosto amoroso e encontra conforto em Jeremy (Jude Law), um dono de um simpático café com muitas estórias para contar. Iniciando uma viagem pela América mais profunda, Elizabeth vai, inevitavelmente, chocar com várias personagens (interpretadas por Rachel Weisz, David Strathairn e Natalie Portman) igualmente recheadas de questões e problemas de soluções subjectivas, onde os obstáculos do amor e da comunicação ganham terreno sobre a sobriedade do lado racional. Um caminho observado pelo lado mais humano dos seres, que vai orientar Elizabeth a construir o seu próprio rumo.
Wong Kar-Wai constrói aqui um filme difícil, seja pela temática como pelo efeito visual tão carregado, que se transforma praticamente no ar em que todos respiram, mas que se demonstra possuidor de uma beleza rara. Apesar de deixar alguns pontos soltos, Kar-Wai filma, de uma forma exemplar, uma viagem ao mais íntimo dos sentimentos, sejam eles movidos pela mais variadas forças exteriores / interiores, e presenteia-nos um grandioso objecto de cinema, onde Norah Jones e Jude Law se vestem num par improvável, mas espantosamente bem conseguido e carregado da maior vulnerabilidade possível, ainda que mascarada sobre a doçura do amor. É uma obra a não perder, que vive de um encruzamento de emoções bastante real e tão tangente a qualquer um de nós, suspenso num audacioso jogo de estética de luzes e cor, que ganha um lugar absolutamente mítico no interior de cada uma das personagens e de nós próprios, que nos perdemos por completo na magia deste cinema e desta visão. Ainda que sem a genialidade de Disponível para Amar (2000), My Blueberry Nights é, ainda assim, um triunfo; uma obra superior de enorme relevo e qualidade.
4/5
Francisco Toscano Silva
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