quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Expiação

Há momentos – delirantes, lânguidos, românticos – em que “Expiação” parece ter características próprias de um filme clássico. No entanto será que a sua trágica e épica história de amor é demasiado opaca, inerentemente enigmática, de modo a não despoletar os mecanismos necessários a uma divulgação vencedora? Não. De facto, “Expiação” foi um sucesso. O nomeado para Melhor Argumento Adaptado Christopher Hampton e o realizador Joe Wright – que incompreensivelmente não recebeu a nomeação para Melhor Realizador – decerto tornaram o romancista Inglês Ian McEwan orgulhoso da versão espectacular que puseram no ecrã do seu livro “Atonement”.

Antes da grande noite começar, “Expiação” já tinha recebido dois BAFTA (Best film, Best Production Design) e dois Golden Globes (Best Motion Picture Score, Best Original Score). No encerrar da cerimónia, levou apenas a estatueta de Melhor Banda Sonora Original composta por Dario Marianelli (“V for Vendetta”). Embora tivesse sido aclamado como favorito, a ascensão súbita do filme de Paul Thomas Anderson “Haverá Sangue e deEste País Não é Para Velhosdos irmãos Coen, deitou por terra qualquer esperança da longa-metragem de Joe Wright arrebatar o galardão principal. No entanto, não há margem para dúvidas acerca da qualidade artística e técnica do filme.

Abaixo podemos observar duas sequências, não por serem pedras basilares no avanço da narrativa, mas pela sua beleza e essências antagónicas.

A primeira é fundamental para o desenvolvimento da intriga amorosa das personagens Cee (Keira Knightley) e Robbie (James McAvoy). Cee representa a filha subproduto modernista dos golden twenties e Robbie o sentimento de apego às tradições. Ambos diferem pela sua condição social e, mais que a propósito, é ele que ao por a ária “O Soave Fanciulla” (acto I de “La Bohème” de Puccini) dá a entender, embora em espaços disjuntos, os seus sentimentos. Trata-se de um prelúdio, uma declaração do novo amor encontrado e um rito de iniciação sexual desenvolvido pelo diálogo imaginário que travam um com o outro, num magnífico encontro dado pelo jogo de espelhos e a máquina de escrever e que termina, então, com Cee a retirar do armário um vestido verde – simbolizando o vigor e a frescura da juventude – em alternativa ao vestido negro, representado assim como o distanciamento da sofisticação e do luxo que viria a acontecer. Tal como em “La Bohème”, o final não poderia ser outro senão trágico.

O segundo momento que marca o filme é, como já se sabe, o soberbo plano sequência em que Joe Wright sobrevoa através da violência e do caos provocados por soldados revoltados/felizes (?), à espera de embarcar na praia de Dunquerque. Toda a felicidade do rosto de Robbie é apagada quando se depara com tal cenário, uma camuflagem à representação icónica do desespero e podridão humana face à guerra.

Pedro Xavier

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