quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Global Groove


Em todo o universo da Video Art, há um nome absolutamente obrigatório de reter: Nam June Paik. Considerado por muitos como o primeiro video artist, este sul-coreano trabalhou, durante toda a sua vida, com uma quantidade enorme de media.

Treinado como pianista clássico, Paik estudou música na Universidade de Tóquio e na Universidade de Munique. A música, mesmo que apenas como mera representação física, esteve sempre muito presente nos trabalhos de arte electrónica deste artista.

Na sua primeira exposição, Exposition of Music - Electronic Television (1963), na Galeria Parnass em Wuppertal, Paik mostrou como a televisão era facilmente manipulável, fazendo história.

Quando, em 1964, foi para Nova Iorque, realizou um conjunto invejável de performances com a violoncelista Charlotte Moorman, sempre em volta do tema música - video.

A sua conhecida escultura TV-Cross (multi-televisão de vídeo) foi aumentada para, em 1988, fazer uma torre de media constituída por 1003 monitores, aquando dos Jogos Olímpicos de Seul.

Uma das maiores invenções de Paik foi, por volta de 1970, juntamente com o engenheiro electrónico Shuya Abe, o desenvolvimento de um sintetizador de video. A partir dali, a possibilidade de alterar a estrutura básica da imagem electrónica permitiu a Paik fazer um número infindável de experiências extremamente interessantes.

Em 1974, cria uma das suas primeiras instalações de feedback, com o nome de TV-Buddha.

É então que surge Global Groove. Encomendado ainda no decorrer da Guerra do Vietname, é um trabalho que liga 21 sequências de diferentes áreas culturais, com material de estações de televisão pública e excertos do próprio trabalho de Paik. Com uma estética de videoclip, o audio não pode ser entendido separado do video, nem vice-versa.

A quem estiver interessado em conhecer melhor o trabalho de Nam June Paik, o seu site oficial:

www.paikstudios.com

Sara Toscano

Belle de Jour

Belle de Jour é uma obra francesa, do aclamado realizador Luis Buñuel, datada de 1967, com a bestial Catherine Deneuve no papel principal.

Com um título algo irónico (uma subtil referência ao termo 'belle-de-nuit', que significa prostituta em francês), este filme conta-nos a história de uma mulher que decide passar as suas tardes num bordel, como prostituta, enquanto o marido trabalha.

Todo o teor erótico reside apenas e somente na imaginação de Séverine Serizy (a personagem principal) que, embora não consiga ter contacto físico com o marido, tem fantasias masoquistas muito regulares que, de alguma forma, a intimidam. Decide, no entanto, dar aso a esses desejos contidos, e procura o bordel de Madame Anais (Geneviève Page), onde trabalha algumas tardes, apenas durante o horário de trabalho do seu marido Pierre Serizy (Jean Sorel).

O arco da personagem principal é extremamente interessante, passando de uma pessoa apagada e reprimida a alguém confiante e radiante. E ainda que o destino, no clímax do filme, não lhe sorria, Séverine mantém a compostura e nunca deixa de ser uma daydreamer.

Buñuel é um mestre no que toca a fazer filmes que nos falem sobre os segredos da natureza humana. Neste caso, é de realçar as passagens feitas entre os sorrisos de Deneuve e as divagações selvagens e sexuais da sua fértil imaginação.

Há, igualmente, uma profunda crítica à sociedade burguesa, implicita nas entrelinhas, em diversas cenas.

O filme foi premiado no Festival de Veneza, em 1967.




Sara Toscano

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Bambi

Bambi é uma das primeiras produções da Walt Disney, datada de 1942. Adaptado do romance de Felix Salten - Bambi, a Life In The Woods - conta-nos a história de um veado, dos seus pais e dos seus amigos, que vivem todos juntos na floresta.

Este filme tem algo de extraordinário: é uma obra extremamente musical. Durante todo o filme, belíssimas notas musicais complementam (com mestria) as imagens animadas, dando-lhes sentido, conferindo uma beleza extra a todo o sentido da história.

O enredo, sendo acima de tudo para crianças, fala da vida e da morte, do amor, da maldade humana, das estações do ano e da vida animal, de forma inocentemente doce e singela.

A dobragem da voz do personagem principal, o veado Bambi, foi feita por Bobby Stewart (o bébé), Donnie Dunagan (a criança), Hardie Albright (o adolescente) e John Sutherland (o adulto).

Embora tenha sido bem recebido pelo público, foi um filme criticado como inapropriado para crianças (o seu público-alvo) pela morte da mãe de Bambi e pela "violência" das cenas de caça, pelo ataque dos cães e pelo incêndio que deflagra na floresta.

Em 2006 surge Bambi 2, a sequela (que não chegou a ir para as salas de cinema) que desenvolve a elipse temporal que existe no primeiro filme, quando a mãe de Bambi morre e ele acompanha o seu pai para o coração da floresta.

Definitivamente, um clássico de animação!




Sara Toscano

domingo, 24 de agosto de 2008

Andy Warhol - a Mirror To The World


"He was the most American of artists, and the most artistic of Americans" é uma das frases com que começa o documentário Andy Warhol - a documentary film, que tive oportunidade de ver muito recentemente.

Andrew Warhola nasceu a 6 de Agosto de 1928, e é hoje considerado a figura central do movimento da Pop Art. Começando por fazer ilustrações, desenhos de cartazes publicitários e de sapatos (publicados na revista Glamour), Warhol apenas se torna mundialmente conhecido mais tarde, pelo seu trabalho enquanto pintor, escritor, cineasta avant-garde, produtor musical e figura pública.

Este artista é extremamente interessante, não apenas pelas suas inúmeras obras, mas também pela sua personalidade peculiar, por aquilo que ele foi enquanto pessoa, pela forma como cresceu, como desenvolveu a sua arte, como chegou onde chegou... "Andy was Pop, and Pop was Andy".

Em Warhol, a arte é tornada banal e vulgar, é um produto mediático e industrial. Aquela que, para ele, era uma "arte elitista" cai nos meandros do quotidiano.


Desde cedo que Andy Warhol mostrou alguma queda para as artes plásticas. Entre 1945 e 1949, estudou artes gráficas aplicadas, curso que abandonou devido a uma doença. Mas é à sua mãe, Ulja Warhola, que o artista deve o desenvolver dessa capacidade, pois foi sempre ela que muito o incitou e apoiou. Nesta altura, Andy pintou alguns quadros que representavam situações psicológicas, ainda que de forma algo infantil.

Foi em Nova Iorque que Warhol começou a trabalhar. A sua primeira grande influência e inspiração veio do escritor Truman Capote, por quem o artista nutria uma grande admiração, chegando quase a persegui-lo. Ainda fez algumas ilustrações para os romances de Capote.

Começou, então, a trabalhar por conta própria e a executar encomendas. Servia-se muito de superfícies coloridas, nos seus trabalhos, para dar uma impressão viva e estilística.

Os seus primeiros quadros, datados de 1960, têm como temas centrais a banda desenhada e a publicidade.

O que marcou igualmente a sua obra, foram as mortes de Marylin Monroe e John F. Kennedy. Warhol começa a criar as suas muito conhecidas serigrafias. A morte e a tragédia passam a ser um tema recorrente nos seus trabalhos, ligados ao conceito dos "15 minutes of fame" (pelos meios de comunicação, ávidos do sensacionalismo).


A par disto, Andy Warhol (que queria chegar a Hollywood a todo o custo) começou a fazer filmes que, observados posteriormente, se revelaram de uma maturidade incrivelmente genuína. Títulos como Sleep (onde se pode ver o poeta John Giorno a dormir, durante 6 horas - um estudo brilhante sobre o tempo real vs. tempo sonhado), Blow Job (plano único de 35 minutos da cara de DeVeren Bookwalter, supostamente a receber sexo oral, sem que nunca haja um tilt da câmara para mostrar o que realmente se passa), Eat (um homem a comer um cogumelo durante 45 minutos). Todos estes primeiros filmes do artista, são uma representação do tempo, do real, do que é tido (para ele) como normal, mostrado, no entanto, com uma plasticidade incrível, tão própria e característica.

É na década de 60, que Warhol adopta a banda The Velvet Underground, transformando-se no seu manager e criando toda a album art. Depois de lançarem o primeiro album, The Velvet Underground and Nico (muito conhecido como 'The Banana LP'), Lou Reed e Warhol desentenderam-se acerca do futuro da banda, acabando assim a parceria.

Andy Warhol detinha a simplicidade de um artista, um artista de ideias, um artista que casava a forma e o conteúdo como ninguém. Com ele, tudo se tornou Arte.

"Andy Warhol was a mirror to the world".

Sara Toscano

sábado, 23 de agosto de 2008

Poster - Rosemary's Baby

O poster de A Semente do Diabo (1968) mostra-nos um carrinho de bebé. Nenhum outro significado, para além da inocência, poderia ser atribuído a este simples objecto… então porque é tão assustador? O factor arrepiante do poster reside no uso da cor verde, escura por sinal, e na cara de Rosemary (Mia Farrow), de olhar vazio e sem alma. Não é só pela abordagem satânica que o filme provoca pele de galinha, mas também pela perda da confiança no marido (John Cassavetes) e nos amigos. Sobressai, pois, o medo visceral de nos sentirmos sozinhos.

Rosemary’s Baby
de Polanski aborda o tema do satanismo a um nível sobrenatural, com especial foco no universo mitológico dos adoradores do demónio. Por outro lado, O Exorcista só iria surgir anos mais tarde (1973), levando o tema do satanismo a um nível muito mais físico e teológico.

Pedro Xavier

Beauty and the Beast (1991)

Foi a propósito do mais recente filme da Disney/Pixar, Wall.E, que me surgiu a seguinte questão: que outro filme de animação, na sua realidade espácio-temporal, teve semelhante impacto no público, na crítica, na indústria de animação? É verdade que o ano passado foi-nos dado um novo rato, desta vez um rato cozinheiro, de orelhas pequenas e sem um fato-macaco encarnado. Ratatouille foi um óptimo filme, sem dúvida! É melhor que Wall.E? A que nível? Haverá outro melhor? Recuemos então mais uns anos.


O clássico de Walt Disney de 1991, A Bela e o Monstro, não só é um dos melhores e mais bem conseguidos filmes de animação de sempre, como também merece, à semelhança do que actualmente acontece para Wall.E, um lugar de destaque numa lista dos melhores filmes da história do cinema. Apesar de não ter sido a maior produção dos estúdios mágicos da Disney, nem o mais recordado pelos miúdos (O Rei Leão detém aqui as honras), A Bela e o Monstro recebeu, no entanto, as mais entusiastas críticas, sendo reconhecido através da nomeação de um Oscar na categoria de Melhor Filme (nesse ano ganhou Unforgiven de Clint Eastwood). A Disney soube logo à partida estar perante um sério candidato a vencedor e, sem qualquer precedente na história do cinema, apresentou no festival de cinema de Nova Iorque 70% da animação. A calorosa recepção fez criar uma sensação euforia à volta de uma animação que não se via desde a Branca de Neve e os Sete Anões (1937).


Irresistível é dizer pouco do filme, porque cada frame está repleta de uma magia rara, quer estejamos a falar num filme de animação ou não, onde todos os elementos estão colados na perfeição, elevando o nível de qualidade que A Pequena Sereia estabeleceu em 1989.

O conto da Bela e do Monstro já é antigo. Os magos da Disney pegaram na história, deram-lhe um tom muito próprio, modernizando-a: Belle é uma feminista, com vontade própria, independente, forte e esperta; todos os objectos do castelo encantado, desde candelabros, relógios e chávenas, estão vivos e têm vozes e personalidades muito distintas. Por fim, a fera (na minha versão em VHS o filme é dobrado em Português do Brasil), outrora foi um belo príncipe que, amaldiçoado a ficar um monstro até ao final dos seus dias caso não aparecesse alguém que o amasse, não obstante a sua aparência, reina o castelo impondo o terror aos habitantes da aldeia mais próxima. Com a chegada de Belle, invade-lhe um misto de emoções: esperança que ela seja a escolhida para quebrar o feitiço e medo que ela o rejeite pela sua horrível aparência. Debaixo desta capa de terror, bate mais forte um coração, revelador da natureza do verdadeiro herói quando Belle se encontra em perigo e o Monstro arrisca a sua vida para a salvar.

O verdadeiro chamariz desta animação reside, não só nos novos efeitos especiais da época, mas também nos números musicais do filme. A sequência do baile, que mistura animação por computador com o clássico desenho à mão, é a melhor cena, em termos técnicos, de todo o filme. As outras sequências musicais podem ser igualmente comparáveis à do baile. Alan Menken e Howard Ashman (ambos de A Pequena Sereia) são mesmo os responsáveis pelo sucesso desta animação. Com toda a energia e audácia levam-nos para a Broadway, de onde retiram todas as regras para a elaboração de uma receita há muito esquecida nos anos 50/60, que é chamada de filme musical. Temos a canção inicial “There’s Belle”; “Gaston”, o tema do vilão; “Be our Guest”, com os utensílios de cozinha a cantar e a dançar; “Mob Song”, no ataque da população enraivecida ao castelo e o clássico “Beauty and the Beast”.

Não só somos transportados para a Broadway como também A Bela e o Monstro importa referências fílmicas muito marcantes na história do cinema. Ao jeito de homenagem, destacam-se, no mínimo, três clássicos: Citizen Kane, pelo castelo gótico nas cenas iniciais; The Sound of Music, quando Belle corre por verdes colinas, ao deixar para trás a sua aldeia ao longe e Frankenstein, no final, aquando a invasão do castelo é liderada por Gaston.

Combinando todos estes elementos, Beauty and the Beast, é uma mistura perfeita de romance, música, invenção e animação, num filme que não é só para miúdos, mas também para graúdos. Está para 1991 assim como Wall.E está para 2008: uma obra-prima!




Pedro Xavier

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A Morte de Ivan Ilitch

Em A Morte de Ivan Ilich, de Lev Tolstoi, a personagem principal, Ivan, funcionário público do sistema judicial da Rússia czarista, leva uma vida de dor física, resultado de uma angústia mental que o consome. A doença fá-lo passar por diversos sintomas, muitos devido ao stress mental a que está sujeito, no entanto, nunca descobre que a origem do seu sofrimento é essencialmente interna. É descrita como a repressão e a resistência a uma determinada ideia pode ter como consequência o sofrimento físico. O próprio Ivan reconhece que o seu corpo reagiu à dor vinda de fora (infligida por outros) e concentra-se na cura através da psicanálise, para além de se tentar curar pela medicina conhecida.

A primeira era da vida de Ivan é vivida repleta de contentamento mas, quando entra na idade adulta, sucumbe à pressão social de ter de se casar. Casa com uma mulher chamada Praskóvia Fiódorovna, “de boa família” e com “algumas propriedades em seu nome”, que afirma estar perdidamente apaixonada por ele, apesar da falta de paixão recíproca. Ivan é indiferente ao casamento e à sua nova mulher, não está particularmente entusiasmado mas também não é tiranizado por ele. O casamento acaba por se tornar uma maneira de viver, como qualquer outro hábito. Depois de descobrir um lado mais desagradável na persona de Praskóvia, chega à conclusão de que estará preso àquele casamento até ao fim dos seus dias. À procura de uma fonte alternativa de felicidade, focaliza grande parte dos seus dias na sua carreira, para se afastar daquela amarga situação que faz parte da sua vida. A reviravolta na história ocorre quando, ao decorar a nova casa que o seu cargo lhe permite ter, ao subir o escadote, «recuou e caiu, mas como homem forte e ágil, segurou-se e apenas chocou de flanco contra o fecho de uma janela». Pouco a pouco, a doença resultante da queda torna-o incapaz de desfrutar as riquezas e o convívio em sociedade que os anos de esforço e a consequente ascensão social lhe haviam sido oferecidos.

Deste ponto para a frente, Ivan passa por episódios incrementalmente dolorosos à medida que envelhece e torna-se ainda mais descontente com a sua vida familiar. Aquilo que começou por «um gosto estranho na boca e um certo desconforto no lado esquerdo do ventre», expandiu-se em dores insuportáveis que intoxicam o seu corpo, começando pelo peito e que, por vezes, o levavam à total imobilização, acompanhada por uma irritante irritabilidade. O seu sofrimento faz com que reflicta sobre a efemeridade da vida e a inevitabilidade da morte. A solução apresentada para se ultrapassar a dor física é viver a emoção de uma memória reprimida, verbalizando-a. Ao confrontar os pensamentos desagradáveis dessa memória à situação dolorosa que se vive, uma pessoa é capaz de superar desse momento traumático e tornar mais suportáveis os sintomas de doença física. A fonte inconsciente da doença, manifestada pela dor física, acaba por torturar interminavelmente Ivan Ilitch. Tivesse ele reconhecido que a sua dor era obra da sua miserável vida familiar, a sua consciência teria sido aliviada deste ressentimento reprimido.

Conhecido pelos seus romances Guerra e Paz e Anna Karenina, Lev Tolstoi é considerado um dos maiores escritores do século XIX. Os seus contemporâneos olharam para obra como uma crítica a um certo materialismo banal e hipócrita que regia a sociedade russa da época. A personificação de tal crítica é apresentada, não só pelos colegas de profissão, mas essencialmente pela mulher de Ivan, que o crítica implacavelmente a partir do momento em que o vê enfermo numa cama.


O destino de Ivan não só é apresentado no título da obra assim como, imediatamente, no primeiro capítulo, passado na casa do falecido, onde se desenrola o velório. A estrutura narrativa é de tal forma encadeada de maneira a manter o interesse do leitor sempre desperto até ao desfecho final. A universalidade da temática da morte é responsável por uma identificação imediata do leitor com os episódios da doença de Ivan, uma vez que são experiências comuns a todos os seres humanos.

A Morte de Ivan Ilitch é uma obra sobre a enfermidade espiritual, o sofrimento físico e a superação pelo crescimento e salvação moral através da redenção pelo sofrimento, até se alcançar a verdade.

“- E a morte? Onde está ela?

Procurava o seu habitual medo, o anterior medo da morte e não o encontrava. Onde está ela? Qual morte? Não tinha medo nenhum, porque também não havia morte.

Em lugar da morte havia uma luz.

- É então isto! – disse ele de súbito em voz alta. – Que alegria!

Tal como diz António Lobo Antunes no prefácio da edição da Dom Quixote, A Morte de Ivan Ilitch é “uma das maiores obras-primas do espírito humano” e coloca a dúvida: “trata-se de uma obra sobre a morte ou de uma obra que nega a morte?”.

Pedro Xavier

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Flavors of Entanglement


Flavors of Entanglement é o título do sétimo álbum da cantora canadiana Alanis Morissette, produzido por Guy Sigsworth.

Segundo a artista, o álbum tem algo de muito similar com o de 2004, So-Called Chaos. É central e visível a afirmação 'Holy shit, I am a broken woman'. De facto, a maioria das letras das músicas falam das suas relações pessoais que, segundo Alanis, "it's the only thing I can really comment on with any kind of conviction or authority". Algumas envolvem, também, um certo conflito político, que a cantora liga muito aos seus sentimentos, à sua maneira de ver e encarar as coisas.

Moratorium é uma (belíssima) faixa que serve como uma declaração de "há certas coisas más que não volto a repetir na minha vida"; Not As We é uma balada triste sobre alguém que deixou de resistir a uma recaída emocional; Underneath fala-nos de falhas de comunicação, enquanto Citizen of The Planet proporciona uma viagem pelo Mundo, vista pelos olhos da artista.

Com um estilo muito próprio e sempre facilmente identificável, este álbum tem, no entanto, uma diferença para todos os precedentes: uma veia electrónica algo carregada. Segundo Alanis, a sua paixão pela dança levou-a a incorporar alguns hip hop beats juntamente com organic instruments, numa fusão tremendamente arrebatadora.

É, sem sombra de dúvida, um álbum absolutamente obrigatório.

Sara Toscano

Young People Fucking

Esta brilhante comédia romântica de 2007, realizada, escrita e produzida por Martin Gero e Aaron Abrams, fala-nos da necessidade actual de separar amor e sexo. Nas palavras de Gero: "We're saying, 'Listen, people our age. This is really hard to do without being emotionally involved.'"

O filme intercala as histórias de cinco casais diferentes, durante os seus "encontros sexuais" e as suas tentativas e esforços (todos diferentes) que acabam por falhar miseravelmente.

Inteligentemente dividido em capítulos elucidativos (Prelude, Foreplay, Sex, Interlude, Orgasm e Afterglow), cada um dos casais passa por estes diferentes estágios, quebrando com os arquétipos a que estão associados, ao serem inicialmente rotulados como:
1- The Best Friends
2- The Couple
3- The Exes
4- The First Date
5- The Roommates

O título é enganador, na medida em que se pode estar à espera de ver mais um teen movie ou algo no género, sendo que o filme supera as expectativas com um humor ligeiro (mas certeiro) e um toque pessoal. As personagens são bem apresentadas (e de forma rápida), dando-nos o suficiente da sua backstory através dos diálogos, para uma fácil compreensão das suas reacções, não sendo, de todo, minimamente previsível.

Recomenda-se.




Sara Toscano

terça-feira, 19 de agosto de 2008

An Inconvenient Truth


Um documentário americano sobre o aquecimento global, exposto por um ex-Vice Presidente dos EUA (Al Gore). Um verdadeiro sucesso de bilheteiras.

"You look at that river gently flowing by. You notice the leaves rustling with the wind. You hear the birds; you hear the tree frogs. In the distance you hear a cow. You feel the grass. The mud gives a little bit on the river bank. It’s quiet; it’s peaceful. And all of a sudden, it’s a gear shift inside you. And it’s like taking a deep breath and going... 'Oh yeah, I forgot about this'."

Assim começa An Inconvenient Truth, realizado por Davis Guggenheim. Dado sob a forma de uma aula, o documentário foca-se nos esforços de Al Gore que, viajando pelo mundo inteiro, dá palestras para educar o público no sentido de prevenir a crise climática.

"I've been trying to tell this story for a long time and I feel as if I've failed to get the message across."

O discurso de Gore é permeado pelas suas histórias de infância, que foram mudando bruscamente a sua forma de ver a vida. E seguindo uma apresentação Keynote, vai expondo a opinião científica acerca das mudanças climáticas, das suas consequências naturais (com um grande relevo para as imagens chocantes da devastação pós-Katrina) e das consequências políticas e económicas.

Com algum humor à mistura, Gore apresenta um clip de Futurama (episódio "Crimes of the Hot") para explicar o que é o aquecimento global.

O filme recebeu um número elevado de prémios, sendo de reter que foi o primeiro documentário a receber o Óscar para melhor música original (Melissa Etheridge's I Need To Wake Up).

A frase "Are you ready to change the way you live?" precede, já nos créditos finais, a publicidade ao site www.climatecrisis.net.

"What we take for granted might not be here for our children"...






Sara Toscano

The L Word


Esta série de televisão retrata a vida íntima e social de um grupo de lésbicas, bissexuais e transgéneres, das suas famílias, amigos e amantes.

Criado e produzido por Ilene Chaiken (The Fresh Prince of Bel-Air), Steve Golin (Being John Malkovich, Eternal Sunshine of the Spotless Minds) e escrito por Guinevere Turner e Rose Troche, o piloto foi para o ar a 18 de Janeiro de 2004 e está prevista que a sexta e última temporada estreie a 4 de Janeiro de 2009.

Uma das características mais fantásticas desta série é o trabalho das personagens. Estamos, sem sombra de dúvida, perante um character-driven show. Cada uma delas é extremamente forte e convincente, sendo que não há uma única personagem igual ou idêntica a outra.
Bette Porter (Jennifer Beals), a lésbica de descendência africana, com um Art History Major de Yale, viciada em trabalho, assumindo o papel do homem em casa;
Tina Kennard (Laurel Holloman), a lésbica passiva que vive com Bette, cujo maior desejo é ser mãe. Com esse desejo realizado (nasce a Angelica Kennard), começa a procurar alguma independência e questiona a sua homossexualidade;
Kit Porter (Pam Grier), meia-irmã heterossexual de Bette, é cantora e dona do café The Planet (onde o grupo se reúne diariamente). O seu passado conturbado levou-a a refugiar-se no álcool, coisa que, mais tarde, consegue ultrapassar;
Shane McCutcheon (Katherine Moennig), a lésbica que vive as relações como um homem, tendo dormido com mais de mil mulheres, estragando sempre aquelas que se começam a encaminhar (Shane não gosta de compromissos). É uma cabeleireira famosa, uma pessoa impulsiva, mas vista por todas como a melhor amiga e confidente;
Carmen Morales (Sarah Shahi), a lésbica latina que quase consegue roubar o coração de Shane. É DJ e tem uma personalidade muito vincada, com variações constantes de humor e disposição;
Jenny Schecter (Mia Kirshner), a lésbica judia com tendência para o desequilíbrio psicológico, frágil e demasiado self-centered, que aspira a ser escritora;
Alice Pieszecki (Leisha Hailey), a única bissexual assumida do grupo (embora simpatize mais com relações lésbicas), é uma jornalista descomplicada, que vive obcecada com a sua teoria sobre relacionamentos, que leva à criação da The Chart, uma rede de relações humanas e one-night stands, para provar que "everyone is sleeping with everyone else";
Dana Fairbanks (Erin Daniels), a lésbica desportista (tenista profissional) que, embora esteja bem ciente da sua tendência homossexual, tem uma enorme dificuldade em assumir-se, com medo da reacção da sua família (que nunca chega a aceitar);
Helena Peabody (Rachel Shelley), a lésbica doce e inocente que usa o seu dinheiro (é extremamente rica) para ajudar os outros, sendo muitas vezes enganada;
Moira/Max Sweeney (Daniela Sea), a lésbica que nunca se sentiu bem no corpo de mulher, sendo o seu sonho mudar de sexo. Pretende a todo custo ser vista como um homem, sendo, muitas vezes, ridicularizada (especialmente por homens).

Este é o núcleo principal de personagens das três primeiras temporadas. Mesmo sendo muitas, é de notar como elas nunca se atrapalham ou canibalizam; muito pelo contrário, elas complementam-se, encaixando umas nas outras quase na perfeição.

A série é filmada em Vancouver, nos Coast Mountain Film Studios, tendo cenários simples e sempre em conformidade com cada uma das personagens.

A banda-sonora (que já conta com 5 CD's) é uma compilação feita pela EZgirl, que conta com nomes como Ella Fitzgerald, Tracy Bonham, The Gossip, Shivaree e Portishead.

De reter, a letra da theme music, de Betty:

Girls in tight dresses
Who drag with mustaches
Chicks drivin' fast
Ingenues with long lashes.
Women who long love, lust
Women who give
This is the way
It's the way that we live...

Talking, laughing, loving, breathing, fighting, fucking, crying, drinking, riding, winning, losing, cheating, kissing, thinking, dreaming...

This is the way
It's the way that we live
It's the way that we live...
And love.

Imperdível!

Sara Toscano

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Despida de Mim Mesma

A um nível mais académico, Despida de Mim Mesma é o título de um trabalho de fotografia digital, realizado no âmbito de uma cadeira do curso de Cinema, Video e Comunicação Multimédia. Na memória descritiva desse mesmo trabalho, pode ler-se:

"Eu sou um anjo.
Eu não quero ser um anjo.
Quero ser uma pessoa comum, banal. Tiro as minhas asas, mudo o meu cabelo, dispo o meu vestido... Quero tocar a minha essência, despindo-me da minha aparência. Quero amar-me. Eu não existo e quero existir.
Mas de repente tenho frio. Está escuro. Tenho medo.
Apercebo-me que é inútil tentar modificar o que vejo. O que realmente importa é o que sinto. E as asas não pesam assim tanto...
Eu sou um anjo.
Nada no Mundo pode alterar a minha condição.
Continuo a poder voar..."


Sara Toscano

An American Tail - Fievel Goes West


"Have no fear. Filly the Kid is here." É assim que começa a brilhante sequela de An American Tail, An American Tail - Fievel Goes West.

Ao aperceberem-se que, na verdade, as condições de vida em Brooklyn não são as esperadas (muito longe disso, como diz o pai de Fievel, "They call America the land of opportunity. Opportunity for what? For children to play in the filthy streets? To never see the sun shine?"), a família Mousekewitz decide partir em direcção ao Oeste, desconhecendo o maléfico plano do gato R.Waul e do seu bando de felinos esfomeados.

É esta a premissa para um filme de animação do mais completo e delicioso que há. Embora tenha sido um fracasso de bilheteiras na altura da sua estreia, foi mais tarde reunindo um generoso número de fãs devotos (aos quais orgulhosamente me junto).
Este filme guarda o segredo do verdadeiro significado de ser uma criança, e é jogando com isso e com um humor extremamente inteligente que nos consegue arrancar sorrisos constantes.

A banda sonora de James Horner é absolutamente fulcral, transmitindo ritmo onde é necessário, seja ele acelerado em partes repletas de acção, ou mais lento e melancólico em partes ternurentas.

Produzido por Steven Spielberg, este filme foi a primeira produção do Amblimation Animation Studio, uma colaboração entre a Universal Studios e a Amblin Entertainment.

"Just remember, Fievel - one man's sunset is another man's dawn. I don't know what's out there beyond those hills. But if you ride yonder... head up, eyes steady, heart open... I think one day you'll find that you're the hero you've been looking for. Maybe a real hero is the last one to hear about it."

Um filme para toda a família, absolutamente obrigatório.




Sara Toscano

Sweeney Todd - várias versões de uma história


1400 - uma balada medieval francesa narra a história de um terrível barbeiro; esta balada era cantada pelas mães parisienses para amedrontar os filhos desobedientes.

1825 - a revista The Tell-Tale Magazine publica A Terrible Story of the Rue de la Harpe, a versão inglesa da história de um barbeiro assassino, recolhida dos Arquivos da polícia francesa.

1846 - a história de Sweeney Todd surge pela primeira vez em The String of Pearls, a Romance de Thomas Peckett Prest.

1847 - esta história de Peckett Prest é adaptada ao teatro por George Dibdin Pitt, em forma de melodrama; estreia no Britannia Theatre, em Londres, e o papel de Sweeney Todd é representado por Mark Howard.

1862 - uma nova versão teatral da história, da autoria de Frederick Hazelton, é apresentada no Bower Saloon em Lambeth e no Pavillion Theatre em Mile End; George Yates desempenha o papel de Sweeney Todd.

1926 - o melodrama de Dibdin Pitt é adaptado ao cinema em forma de comédia burlesca, num pequeno filme mudo do qual não resta nenhuma cópia.

1928 - com argumento baseado nos melodramas de Pitt e Hazelton, é rodado um segundo filme sobre Sweeney Todd, interpretado por Moore Marriott; nesta versão, Todd não é preso pelos seus crimes porque acorda no fim, descobrindo que tudo tinha sido um pesadelo.

1932 - a história de Sweeney Todd é adaptada a peça radiofónica, numa versão de J.P. Quaine.

1936 - surge o primeiro filme sonoro sobre Sweeney Todd, intitulado Sweeney Todd, The Demon Barber of Fleet Street, desempenhado por Tod Slaughter.

1945 - Tod Slaughter representa o papel do terrível barbeiro até à sua morte, em 1956; a popularidade da personagem dramática deve-se a este actor.

1959 - John Cranko faz a coreografia do bailado Sweeney Todd, com música de Malcolm Arnold.

1963 - a história de Sweeney Todd surge em romances como Devlin The Barber de B.L. Farjeon e em bandas desenhadas; a personagem aparece em Casas de Horrores e Castelos Fantasmas de feiras populares.

1965 - Com o título The Daydreamer in the Dark, a história de Todd integra a série de televisão Mystery and Imagination, centrando-se o conflito na consciência de Sweeney.

1968 - Christopher Bond, um jovem actor britânico, escreve uma nova versão de Sweeney Todd que estreia no Victoria Theatre.

1973 - a versão da peça de Christopher Bond é apresentada no Theatre Royal de Stratford East com encenação de Maxwell Shaw; o compositor norte-americano Stephen Sondheim assiste a este espectáculo e pensa adaptar a peça ao teatro musical.

1979 - Sweeney Todd, o Terrível Barbeiro de Fleet Street, um thriller musical de Stephen Sondheim, estreia a 1 de Março no Uris Theatre em Nova Iorque; é distinguido com os prémios do ano (Tony Awards) e o New York Drama Critics Circle Award para o melhor musical.

1980 - o musical estreia no Theatre Royal Drury Lane, em Londres, com encenação de Harold Prince; conquista também diversos prémios.

1984 - o musical passa a ser apresentado por companhias de ópera: a Houston Grand Opera e a New York City Opera.

1989 - dez anos depois da sua estreia na Broadway, o musical é reposto em Nova Iorque, com uma nova encenação de Susan H. Schulman.

1997 - o musical estreia em versão portuguesa, a 17 de Outubro, no Teatro D.Maria II em Lisboa, com encenação de João Lourenço, direcção musical de João Paulo Santos, Jorge Vaz de Carvalho como Sweeney Todd e Helena Afonso como Sra. Lovett.

1998 - John Schlesinger realiza um filme para televisão intitulado The Tale of Sweeney Todd, com Ben Kingsley.

2000 - em comemoração dos 70 anos de Sondheim, é gravada a versão de concerto do musical, pela New York Philarmonic Orchestra.

2004 - com os próprios actores a cantar e tocar a partitura em cena, o musical estreia no Watermill Theatre em Newsbury, com encenação de John Doyle.

2006 - Joshua St Johnson escreve uma versão de Sweeney Todd para a televisão (BBC), interpretada por Ray Winstone.

2007 - O realizador Tim Burton apresenta no Festival de Veneza alguns minutos da sua adaptação ao cinema do musical de Stephen Sondheim, com Johnny Depp, Helena Bonham Carter, Alan Rickman, Sacha Baron Cohen e Laura Michelle Kelly. A estreia do filme em Portugal deu-se em Janeiro de 2008.

(retirado da edição Relógio D'água)

Sara Toscano