segunda-feira, 30 de junho de 2008

Bond à vista

O texto seguinte foi publicado no blog Deuxieme a 30 de Junho de 2008, com o título: «Quantum of Solace - O Trailer.».

Aqui está o trailer da nova aventura de James Bond. As primeiras imagens revelam que a energia inovadora de Casino Royale parece estar para ficar (para além da ligação ser inevitável, uma vez que este filme se inicia horas depois do fabuloso final do filme anterior), e pela força dos diálogos de M com Bond adivinha-se um soberbo argumento, recheado de muita acção. É de relembrar que Quantum of Solace foi escrito por Fleming como um conto, que foi apresentado no livro For Your Eyes Only). A espera mantêm-se até Novembro. Até lá, aqui fica o soberbo trailer.


Francisco Toscano Silva

quinta-feira, 19 de junho de 2008

AFI's 10 Top 10

O American Film Institute decidiu apresentar este ano mais umas listas de filmes, organizados e separados em 10 géneros. Para quem estiver interessado em ter uma rápida introdução aos marcos do cinema americano (como é óbvio, a escolha é sempre controversa por ficarem de fora muitas das nossas preferências), tem aqui uma “pequena” lista de 100 filmes só para aguçar o apetite. Se não for satisfatório, os mais curiosos podem sempre consultar o Top 250 do IMDb, em que esta última listagem cita não só as grandes obras do cinema americano mas também os clássicos (são muitos) do cinema mundial (francês, italiano, alemão, russo, japonês…).

O site /Film reuniu o seguinte conjunto de factos desta lista apresentada pelo AFI: Alfred Hitchcock tem 4 filmes na lista; Steven Spielberg e Stanley Kubrick têm 3 cada um; James Stewart é o actor que aparece mais vezes (6), Tom Hanks 4 e actores como Robert DeNiro, Gene Hackman, Paul Newman e Jack Nicholson aparecem em 3 filmes. Diane Keaton é a actriz mais representada (4); Grace Kelly e Talia Shire são citadas por 3 vezes.


Pedro Xavier

terça-feira, 17 de junho de 2008

Morder-te o Coração


Este romance, como escreve José Eduardo Agualusa, deve ser manuseado com cuidado por conter emoções, ou como diz Inês Pedrosa, constitui "uma viagem alucinante pelos labirintos do desejo e da solidão".
Verdadeiramente, Patrícia Reis escreve sobre uma obsessão pelo Amor puro que, no fim, se demonstra ridiculamente desprovida de sentido.
Denota-se, ao virar de cada página, uma paixão incomensurável pelas palavras, pelos seus significados, e uma necessidade de encher de segundas intenções as entrelinhas, permeadas de desilusão e sonhos desfeitos.
Um homem que acredita ter encontrado o seu outro Eu numa mulher de quem nada sabe, uma mulher com quem partilhou uma intensa paixão de verão. Ela desaparece e ele decide procurá-la, como se disso dependesse toda a sua vontade de viver.
"O amor visto por um homem tem o poder e a dor das coisas maiores".
O ponto final desta história é cruelmente verdadeiro. Nu e cru.

"Morde-nos, de facto, o coração"


Sara Toscano

Vicky Cristina Barcelona

“This guy goes to a psychiatrist and says, 'Doc, my brother's crazy. He thinks he's a chicken.' And the doctor says, 'Well, why don't you turn him in?' And the guy says, 'I would, but I need the eggs.' Well, I guess that's pretty much now how I feel about relationships. You know, they're totally irrational and crazy and absurd, but I guess we keep going through it, because... most of us need the eggs.”

—Woody Allen, Annie Hall


Já anteriormente tínhamos aqui antecipado o trailer do mais recente filme de Woody Allen, Vicky Cristina Barcelona. Agora apresentamos o poster. Diz-se que será o melhor filme do realizador nova-iorquino desde Match Point e que poderá dar a Penélope Cruz a segunda nomeação para o Oscar. Depois de aqui termos analisado Annie Hall e Cassandra’s Dream, 2008 é bem capaz de ser novamente o ano de Woody Allen.


Pedro Xavier

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Poster - Une Femme est une Femme (1961)

''I don't know if it's a comedy or a tragedy, but in any case it's a masterpiece.''

Quem disse esta frase acerca do filme Une Femme est Une Femme foi, nem mais, nem menos, do que Anna Karina, a protagonista, mulher e musa do realizador francês Jean-Luc Godard. Anna Karina tem nesta longa-metragem um papel improvável: interpreta uma stripper que, com enorme vontade de ter um bebé, dorme com o melhor amigo (Jean-Paul Belmondo) do seu namorado (Jean-Claude Brialy). Pouco convencional na história e na estrutura que a organiza, Karina é o objecto de fixação da câmara de Godard. Aqui não fica em causa a qualidade artística e técnica de Une Femme est Une Femme, mas sim o desempenho da actriz como Mulher, como musa, fonte de inspiração para a arte. Anna Karina está para Godard assim como Monica Vitti está para Antonioni, Liv Ullmann para Bergman ou Diane Keaton para Woody Allen. Não terá sido por acaso que, no poster italiano do filme, o único foco de interesse terá sido, naturalmente, Anna Karina. É o suficiente para dizer: uma mulher, é uma mulher.


Pedro Xavier

domingo, 15 de junho de 2008

Marvel Upcoming Movies


O blog de cinema da MTv descobriu e lançou a bomba: os próximos filmes a serem lançados pela Marvel serão Iron Man II, Thor, Captain America e Avengers! A famosa editora de banda-desenhada, produtora dos filmes Iron Man e The Incredible Hulk, ambos estreados este ano, já tinha lançado o anzol ao introduzir nos dois filmes pequenas surpresas do que estará para vir, para o delírio dos imensos fãs. Mesmo podendo ser falsa a notícia e o poster uma montagem, não se deixa de imaginar como será reunir todos os heróis num único filme. Diz-se também que um dos principais nomes para interpretar a personagem de Capitão América será o de Leonardo DiCaprio.


Pedro Xavier

sábado, 14 de junho de 2008

Esta Semana no Cinema...

O texto seguinte foi publicado no blog Deuxieme a 14 de Junho de 2008, com o título: «Estreias da Semana».

O ACONTECIMENTO

Esta semana traz consigo o regresso de dois pesos pesados – um deles é o de M. Night Shyamalan. Após as eternas discussões sobre a sua última obra (A Senhora da Água, que gerou ódios e amores na comunidade cinematográficas e dividiu o público), Shyamalan volta a roçar o tema do fantástico, mas com uma base de drama bem real no coração das paisagens emocionais dos EUA.

Perante uma série de acontecimentos sem explicação, que se sucedem pelos parques naturais de algumas cidades dos EUA, os humanos mergulham no estado de transe e cometem a sua própria morte, numa espécie de suicídio dormente. Entre os sobreviventes destes ataques, que se colocam em fuga à laia de um êxodo, encontram-se um professor de ciências e a sua complexa namorada (Mark Wahlberg e Zooey Deschanel), responsáveis pela filha de um amigo e completamente frágeis perante os acontecimentos naturais (ou não) que se vão sucedendo, enquanto fogem pela sua sobrevivência e tentam interpretar os sinais da crise para obterem uma resposta.

É um sentimento triste e desolado que Shyamalan faz descobrir neste filme, que apesar de não mostrar a sua cara (nem contar com a sua participação), reflecte bem o seu estado de alma. Shyamalan está - literalmente - chateado com os críticos e a “correcta” ou “suposta” maneira de fazer cinema. Um recente artigo publicado no LA Times revela claramente a visão do realizador face à sua obra, ao mundo dos públicos e dos filmes. No entanto, a questão relevante não se prende, enquanto espectador, com o sentimento que o criador alimenta, mas sim o facto de como ele elabora uma nova obra, um novo filme, e nessa perspectiva estamos perante um terrível fracasso.

Ainda que munido de uma boa ideia e algumas cenas bem pensadas e elaboradas (como a questão da tragédia dos miúdos que os acompanham ou até o suspense das mortes), Shyamalan não faz um filme, somente junta inúmeras cenas numa só fita e esquece os plots. O argumento perde credibilidade e força ao fim de meia hora (após um início bem conseguido) e chega mesmo a ser absolutamente ridículo e inverosímil na meia hora final, onde, de um momento para o outro, uma solução “deus ex machina” irrompe descaradamente no ecrã, à falta total de ideia e inspiração do realizador. O elenco é terrível, seja um Mark Wahlberg pateta, uma Zooey Deschanel insuportável e sem carisma, até um John Leguizamo apático e sem vida. Ou seja, Shyamalan fez um filme “para si mesmo”, onde juntou os elementos do paranormal e um suspense à Hitchcock e deu-lhe o início, meio e fim que quis sem se preocupar com mais nada, para demonstrar o que sente e o poder que tem. Pena ter-se esquecido do mais importante: o seu público, que esperava de si algo de qualidade superior, ainda que simpatizantes ou não d’ A Senhora da Água (uma discussão absurda e sobrevalorizada a meu ver), uma vez que considero Shyamalan um fabuloso contador de histórias e um óptimo retratista de emoções tão primitivas como actuais no mundo em que vivemos, para além de ser um autor de enorme visão artística.

Por tudo isso e em suma, é uma desilusão ver uma boa ideia ser transformada num protesto pueril e sem estrutura, muito longe de qualquer obra por si anteriormente concebida. Esperamos melhores dias para os desaires artísticos de Shyamalan, que percorrem neste momento dias de amargura.




O INCRÍVEL HULK

O outro regresso é o de Hulk, um dos triunfos maiores da Marvel, que renasce novamente no grande ecrã, desta vez por outras mãos e com um novo olhar. Louis Leterrier (Correio de Risco 2) toma a rédeas da realização e oferece entretenimento como ninguém, durante o tempo em que Bruce Banner (Edward Norton) se lança na procura de uma cura para as elevadas radiações que sofreu e o transformam irremediavelmente no irracional anti-herói verde. Ainda que com a ajuda de Betty Ross (Liv Tyler), Banner/Hulk tem contra si está o exército americano, comandado pelo General Thaddeus Ross (William Hurt) e uma famosa "abominação" (Tim Roth), que elevam o espectáculo de violência para novos caminhos, ao quererem prendê-lo para usar o teu gene na indústria bélica.

Em 2003, aquando da primeira incursão desta personagem no cinema, Ang Lee trouxe para o ecrã um filme fabuloso que detinha uma enorme riqueza, patente quer na questão do argumento (que roçava uma temática quase freudiana com bases de uma tragédia grega) como na sua componente visual (uma realização artisticamente intocável, recheada de inúmeros valores e linguagem da banda desenhada), mas apesar de tudo isso, o filme foi incompreendido e muito mal tratado. (recomendo a quem não apreciou uma nova hipótese de revisão urgente). Como tal, Hulk tornou-se um objecto a redesenhar no mapa cinematográfico, desta vez fora das mãos do cinema de autor, directamente para uma visão mais comercial.

Posto isto, a meu ver, os receios eram grandes. Mas é certo afirmar que, apesar do irrepreensível filme que Lee nos trouxe, esta continuação (que recupera de certa forma, num bom fair-play, a história passada) é uma simpática surpresa, onde a acção ganha mais pontos face a um argumento mais fraco, mas bem doseado de ritmo e força. Norton veste bem a pele do atormentado Banner (ainda que Bana assentasse melhor) e Tim Roth e William Hurt cumprem competentemente a sua missão. Menos se pode apreciar Liv Tyler, que não tem culpa da sua débil representação, na medida que a sua personagem também não o exige, (ao contrário de Jennifer Connelly, a Betty no episódio anterior da estória, uma peça chave com rosto e vida própria). De resto, a adaptação está bem conseguida (mais cingida à BD que o capítulo anterior, é certo) e o final reserva surpresas, seja pelo facto de Hulk alterar a sua postura face ao "mundo", um espaço que surpreendentemente lhe vai fazer um convite "de ferro", o que permite começar a conspirar um pouco sobre futuros filmes de super-heróis.




Francisco Toscano Silva

Musicalidade Abstracta

Há no espólio artístico da fotógrafa Americana Cindy Sherman uma característica marcante: a ideia de conceptualização das imagens. De facto, ela é muito conhecida pelos seus diversos autoretratos, fotografias de uma plasticidade incrivelmente demarcada. Sabe-se que, na altura em que Sherman se sentiu interessada pelas artes visuais, começou pela pintura; mas cedo se sentiu frustrada, como se estivesse apenas a calcar os trabalhos de outros.

“Then I realized I could just use a camera and put my time into an idea instead”.

Esta afirmação confirma, de facto, essa maneira de fazer imagens, baseada não na captação de um instante espontâneo e real, mas na construção de uma forma estética muito própria, muito pessoal. O trabalho de Sherman é apresentado sob a forma de séries. Na verdade, não poderia ser doutra maneira: os seus fotogramas, se isolados, perderiam toda e qualquer lógica, sendo que é nesses conjuntos que se pode desvendar algumas das questões que minam de significados e premissas a obra da artista.

Na primeira grande série de Cindy Sherman, Untitled Film Stills (1977-1980), toda a preto e branco, vemo-la desdobrar-se em várias personagens, nomeadamente actrizes de filmes de Hollywood, de Série B e de film noir. Estas imagens, que vão desde a granulada, a ligeiramente desfocada, a do exterior, a de interior, a da cidade e a do campo, têm, na sua grande maioria, uma musicalidade muito característica. Não só em termos temáticos, mas também na composição visual da maioria destas fotografias, há uma estética muito cuidada que remete imediatamente para a presença de uma diversidade de sons (alguns melodiosos, outros menos) que criam um elevado número de sensações.

Em termos gerais, sabemos que a música está intrínsecamente ligada ao conceito de tempo. Em qualquer lado se pode ler a definição: “A música constitui-se de uma sucessão de sons e silêncio organizada ao longo do tempo”. E as imagens? Qual a possível relação imagens – som – tempo? É óbvio que uma imagem fotográfica é a perpetuação de um momento que existiu no tempo; mas é um corte nesse tempo, uma paragem, um congelamento. A música é propagação pelo tempo. Neste sentido, as imagens fotográficas que apresentem uma forte componente de musicalidade são as mais completas: sendo um corte no tempo, sugerem um ritmo, uma melodia, um compasso, especialmente através da forma. Aqui é imperativo que se faça um paralelo com o conceito de abstracção.

No caso específico de Untitled Film Stills, que nos remetem aos Anos 50 (o pós-Guerra), cada fotograma representa esse corte acima mencionado, sendo que o tempo (em sentido mais abstracto e musical) é um tempo morto e frio, plástico e artificial, quase indiferente. O paradoxo da tentativa de despersonalização de Sherman nos seus autoretratos talvez seja a maior justificação para a existência desta quase não-existência temporal.

O que vemos nesta série é um conjunto de roupas, poses, gestos e aparências que já são um cliché. Sherman usa-as como arma para denunciar o conceito de que a imagem singular de cada um de nós está condicionada aos olhares alheios. Há todo um código moral e social que restringe quase em absoluto a nossa verdadeira essência.

O facto de haver todo um conjunto de significados por detrás das fotografias da artista, permite fazer um paralelismo interessante; enquanto a música estabelece uma relação entre o compositor e o ouvinte, as imagens estabelecem a relação entre o artista e o espectador. A necessidade de haver algum tipo de comunicação, seja sob que forma for, está sempre presente em quase tudo o que o Homem faz. Enquanto “compositora”, Cindy Sherman apresenta-nos uma complexa partitura que representa e critica subtilmente o padrão da sociedade.

No Film Still #06, por exemplo, vemos Sherman deitada por cima de lençois e colchas, em roupa interior, com um casaco aberto. As pregas e dobras dos tecidos, algumas curtas, outras longas, bem como a posição estratégica do corpo da fotógrafa (o tronco esticado e a perna dobrada) sugerem uma progressão musical, a sucessão de sons aleatórios que se entrelaçam. O estampado floral e o olhar, a maquilhagem e o cabelo marcam uma artificialidade que, na presença de uma voz, constituiria, sem dúvida, um falsete. Já o Film Still #34, com Sherman quase na mesma posição, também deitada sobre um lençol, sugere um tipo de musicalidade completamente distinto. O dramatismo inerente ao escuro do lençol, às sombras que a iluminação lateral cria e ao fatalismo da expressão da fotógrafa, remetem para uma intensidade sonora irregular, feita de uma sucessão não síncrone de sons e silêncios, que cria alguma inquietação.

A presença de água em algumas das fotografias desta série, enche o olhar de alguma harmonia. Tanto no Film Still #25 como no Film Still #46, este elemento tem um significado muito específico. Em ambas as fotografias, vemos como a superfície da água está calma. Sabemos, no entanto, que há uma vida imensa nas suas profundezas. O facto de, no #46, Sherman emergir dessas profundezas ou de, no #25, ter uma postura rígida em conformidade com um olhar carregado, quebram um pouco com essa harmonia, criando alguma dissonância.

Ainda nesta série, os exemplos de musicalidade mais demarcada são os fotogramas em que Sherman se usa muito das linhas (especialmente de edifícios) na composição da imagem. São exemplos significativos disso os Film Stills #21, #35, #48, #58 e #63. Neste último, vemos uma Cindy Sherman pequena, em escala, num edíficio com longas linhas verticais, em paralelo com as horizontais duma longa escadaria. Está nela presente uma escala de tons rigída, um ritmo bem demarcado, periódico e estruturado. A frieza de pedra dos edifícios citadinos captados pela câmara de Sherman remete para um conjunto de sons agudos, uma possível alternância entre allegros e adagios.

O Film Still #36 está repleto de musicalidade. E essa musicalidade é-nos dada através da luz (o contra-luz, neste caso). O pano branco e o vestido branco, com ondas suaves e largas, lembra uma doce harmonia. Ingenuidade. A pose de Sherman, de lado, braços levantados, remete para o movimento, uma possível dança não estruturada, mas ao sabor do som. A intensidade da musicalidade, nesta imagem, está comprimida entre o pianissimo e o mezzo piano. Trata-se aqui de um adagio melancólico. Em oposição a este, mas também repleto de musicalidade, temos o Film Still #32. Também ele tem o cerne da sua musicalidade centrado numa pequena fonte de luz (do fogo que vai acender o cigarro), mas a grande diferença é que já não trata a ingenuidade, já nada é branco, tudo é escuro. E ela é bem visível, espécie de mulher fatal. Com um tom mais sóbrio, esta fotografia lembra um prelúdio (possivelmente de Tchaikovsky); consideravelmente perturbador.

Temos, pois, que, embora subjectivo, não é difícil identificar características musicais na arte fotográfica. Esta complementariedade é extremamente benéfica. Se a música também tem o seu valor estético, porque não há a fotografia de ter o seu valor sonoro abstracto?Da mesma forma que a música (especialmente a erudita) exige do público uma atitude contemplativa, também a fotografia. Porque não contemplar ambas, se isso as torna mais intensas, mais apelativas?

Na verdade, a presença da musicalidade constitui um verdadeiro estímulo visual.

Sara Toscano

Profumo di Donna - Perfume de Mulher (1974)

Depois do Adeus ao realizador e argumentista italiano Dino Risi, vem a jeito da review semanal lembrar uma das suas obras mais conhecidas, Profumo di Donna (1974). Pode-se rapidamente classificar o cinema do cineasta milanês como pertencendo ao género cómico: um artifício necessário para disfarçar uma abordagem crítica às disparidades sociais da vida quotidiana na Itália, através de um olhar cínico e cru.


Depois do lançamento em DVD ter sido tardio (como já é costume por parte das distribuidoras), Perfume de Mulher é, em muitos aspectos, mais negro, mais austero, mais severo e mais envolvente que o remake de 1992 – esta última versão galardoou Al Pacino com Oscar de Melhor Actor Principal. Na visão de ’74 do romance de Giovanni Arpino, Vittorio Gassman (premiado em Cannes) é o protagonista: um reformado militar cego, maneta, alcoólico, melancólico e sorumbático, um porco sexista que leva consigo um jovem soldado para o último fim-de-semana de deboche antes de executar um planeado suicídio colectivo com a ajuda da sua companheira – uma também reformada e incapacitada arma do exército.


Apesar do filme de ’92 ser visivelmente inspirado no seu predecessor, diferem bastante em pequenos detalhes. Enquanto o filme de Hollywood mostra um carismático protagonista de bom coração escondido por debaixo de uma camada exterior bruta, Gassman interpreta a personagem sem qualquer pingo de compaixão, um miserável bêbedo rejeitado pela sociedade. Em vez de dançar o tango e proclamar monólogos moralistas e intolerantes perante as opiniões de outras pessoas, Gassman limita-se a estar na companhia de afectuosas companhias, raparigas jovens e atraentes, comprometendo-se em fúrias consequentes de muito álcool e a abusar emocionalmente de quem quer que se aproxime dele. Não quer dizer que o “capitão” Al Pacino não o faça também, embora prevaleça de sobremaneira incontornável o atraente e bruto espírito mediterrânico.

Esta personalidade, sob a sua aparente força, abuso verbal, intransigência, irreverência e desdém pelas convenções de compaixão das quais é refém, esconde um profundo desespero e vulnerabilidade. Este é o interesse fundamental do filme que Dino Risi filma magistralmente: a verdade dos efeitos pós-guerra, o menosprezo e a falta de apoio para com os soldados da pátria.

Agostina Belli interpreta Sara, uma jovem rapariga apaixonada, é a única que conhece todas as facetas do capitão e não se conforma com a sua enfermidade. Residem maioritariamente nos close-ups a Agostina Belli as imagens mais belas do filme. Se o filme permanece, em certa medida actual, é a fotografia de Claudio Cirillo que lhe dá um certo ar de vintage look e algo de temporalmente característico dos filmes dos anos 70.





Pedro Xavier

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Femme Fatale

O que dizer de uma banda emergente, com um nome provocativo e intrigante, ao qual está associada uma imagem de sexualidade ousada? Tal como o nome, a música segue as mesmas pisadas. Comparar a sua música à electrónica dos Fischerspooner, dos Ladytron ou ao electro-pop dos Goldfrapp será extremamente redutor? A verdade é que os Femme Fatale não andam muito longe disso.

Na realidade, o primeiro disco da banda madrilena está repleto de músicas quentes e apelativas, daquelas de encher o ouvido, de ficar horas a fio a moer as suas melodias vitaminadas por qualquer substância alucinogénica. São exemplo disso «Movin On», «Let Me Down», «Human Soul». «Wanna Dance» é, de todas, a mais irresistível e «Berlin» leva-nos a um qualquer cabaret, em caves escuras e profundas da Alemanha nazi. Os Femme Fatale são, verdadeiramente, uma revelação e das boas!


Sítios: MySpace




Pedro Xavier

Bee Movie - A História de uma Abelha (DVD)

Pode-se caracterizar a comédia de Jerry Seinfeld como sendo um género de humor a nível microscópico, sobre as pequenas coisas que notamos no dia-a-dia, num estado de semi-consciência mas que, só eventualmente, lhes damos importância. O grande talento do comediante é saber captar a nossa atenção para essas “pequenas” coisas. Por esta lógica, é apropriado que o seu primeiro grande projecto desde o final da série televisiva “Seinfeld” (já lá vão 10 anos!) seja sobre uma pequena criatura voadora que alegremente desafia as convenções físicas escritas pelos humanos e as leis que regem a colmeia onde vive (Seinfeld sempre se sentiu fascinado pela existência quase impossível das abelhas).


Para complementar um guião com assinatura do próprio Seinfeld (e ainda Spike Feresten, Barry Marder e Andy Robin), a animação da equipa da Dreamworks deu ao filme um visual solarengo e de ritmo «abelhesco» (que se assemelha muito ao Taylorismo). A voz agradavelmente idiossincrática do comediante ajusta-se na perfeição ao tom casual e ligeiro que caracteriza a história. A estrela da comédia transfere a sua persona para Barry B. Benson, uma abelha que critica e questiona o mundo dentro da colmeia. Insatisfeito por ter de ficar perpetuamente amarrado ao duro e ininterrupto trabalho da colmeia, faz uma viagem espontânea com o batalhão do pólen ao mundo exterior, encontra uma rapariga (sim, uma rapariga humana, interpretada por Renée Zellweger) e, em conjunto, processam a humanidade por roubarem, injustamente, o mel que é por direito das abelhas.


Bee Movie – A História de uma Abelha” é um filme visualmente brilhante, activo, estimulante, colorido e por vezes com algum humor negro (nunca veríamos um pacto de suicídio num filme da Disney). Lá bem no fundo, a história pode ser comparada a “The Graduate”, em que o recém-licenciado Barry, é pressionado pelos pais aparentemente judeus (Kathy Bates e Barry Levinson) a encontrar um trabalho e assentar na existência pacata da vida na colmeia; até há uma cena na piscina (de mel) como no clássico de Mike Nichols.

A juntar à dupla principal estão as vozes de Matthew Broderick, Patrick Warburton, John Goodman, Chris Rock, Oprah Winfrey, Larry King (a fazer de Bee Larry King), Ray Liotta e Sting (ferrão).


Apesar de o humor não ser hilariante (é possível que a expectativa de ver um novo episódio de “Seinfeld” tenha sido demasiado elevada), é o suficiente para deixar miúdos e graúdos de sorriso posto, pela fantasia de vermos humanos a falarem com insectos e pela mensagem de tolerância para com aqueles que são diferentes de nós mas equilibram o delicado funcionamento da natureza. O toque de Jerry Seinfeld é notório (“Why do girls put rings on their toes?... It’s like putting a hat on your knee”). Ele pode não estar a actuar ao vivo, mas a qualquer momento pode agarrar o microfone. É aproveitar e rir destas suas últimas pérolas.





Pedro Xavier

terça-feira, 10 de junho de 2008

[REC]

[REC] é o último de um conjunto de filmes cujos eventos são revelados ao espectador através do olhar instável de uma câmara portátil. No entanto, só porque já se viu esta maneira de se fazer cinema há quase uma década atrás em The Blair Witch Project e também nos mais recentes Diary of the Dead e Cloverfield, não quer dizer que o impacto seja menor. [REC] é um emocionante e genuíno filme de terror em todas as componentes. Os realizadores Jaume Blagueró e Paco Plaza condensam todos os ingredientes necessários (leia-se obrigatórios) de um filme de terror clássico: ambiente claustrofóbico, falsa esperança e paranóia entre os protagonistas e um final niilista.


Vencedor do Fantasporto e de outros festivais de cinema, [REC] teve a sua estreia nas salas portuguesas a 10 de Abril deste ano e conta a história de uma equipa de TV que acompanha uma patrulha de bombeiros em serviço durante a noite. Por vezes as noites são calmas e nada acontece. Na noite da acção do filme, são chamados para resgatar uma senhora idosa que se encontra a gritar e trancada no seu apartamento…

As interpretações são, de facto, uma grande mais-valia para a credibilidade do filme, das quais se destaca, naturalmente, a de Manuela Velasco (a repórter Ángela) - parece nunca parar de correr - cuja mudança de atitude histérica de “continua a gravar, temos de mostrar isto ao mundo” para vítima do que naquele prédio se passa é totalmente viável e convincente.




A história que dá vida a [REC] não é de certeza a mais original mas, pela localização da acção e pelo seu cariz low-budget, tornam-no num emocionante, tenso e genuíno filme de terror, que nos dará dar saltos do sofá. O remake americano, Quarentine, chega no final do ano. Fiquemos pela versão espanhola.







Pedro Xavier

Poster - Le Mépris (1963)

Considerado um dos pais mais influentes e audaciosos da Nouvelle Vague, Jean Luc Godard apresentou, em 1961, o “Desprezo”. Godard procurava, tal como os todos os realizadores que marcaram este emergente período da história do cinema (Louis Malle, Alain Resnais, François Truffaut, Eric Rohmer), maior liberdade de produção e encenação e, também, uma autenticidade mais acentuada das personagens, afirmando a especificidade da linguagem cinematográfica, a qual se achava então muito agarrada às convenções teatrais.

Devido ao facto de ter sido crítico na mítica revista de cinema Cahiers du Cinéma, podem ser encontradas em “Desprezo” inúmeras referências fílmicas a Chaplin, Griffith, Hawks e Minelli, entre outros. Não é por mero acidente que o já veterano realizador alemão Fritz Lang (“M”, “Metropolis”), faz dele próprio no filme de Godard. Embora seja a partir da personagem de Michel Piccoli que a intriga desperta, é em torno de Camille (Brigitte Bardot) que ela se desenvolve. E o desprezo? É o que Camille sente pelo marido… Este filme é um dos mais inteligentes, sofisticados e visualmente mais apetecíveis do realizador francês.




Pedro Xavier

segunda-feira, 9 de junho de 2008

A Grafologia, por Herbert Hertz


É interessante saber que existe uma ciência que estuda a relação entre a escrita e a personalidade de quem escreve. Disto nos fala A Grafologia de Herbert Hertz. Tratando-se de uma ciência auxiliar da psicologia, aplicada a áreas como a pediatria, a criminologia ou a orientação profissional, representa também algum interesse para quem deseje saber mais um pouco de si mesmo ou dos outros.

Como qualquer ciência que estude o Homem, ela não é (nem nunca será) perfeita. Na verdade, a existência de uma infinidade de casos, sempre diferentes, sempre muito particulares, impedem uma esquematização absoluta. Já se sabe, há sempre uma excepção. Pode-se, no entanto, estabelecer algumas regras gerais, que se apliquem em variados casos. São essas regras que nos são explicadas por Hertz.

A escrita é definida como "expressão gráfica do pensamento, visto que o acto de escrever não é mais que um movimento da mão orientado pelo cérebro".

Essa escrita é analisada a partir de diversos factores, tais como a forma, a direcção, a pressão, a velocidade, a continuidade, a disposição, a dimensão, a ordem, a harmonia, entre outras.

Tal como qualquer ciência (a medicina, por exemplo), também a grafologia foi inicialmente englobada nas ciências ocultas (ainda para mais, é uma ciência pouco concreta), tendo sido alvo do espírito céptico de muitos homens. Mais tarde, as bases científicas da grafologia foram claramente definidas e as experiências devidamente controladas, de tal modo que já foi instituído um diploma de Estado de Grafologia.

Sara Toscano

domingo, 8 de junho de 2008

sábado, 7 de junho de 2008

Duffy


Confesse-se, os primeiros sinais não foram os mais auspiciosos. Catalogada por diversos meios jornalísticos como mais uma nova Winehouse, Duffy assemelhava-se a um pedido de ajuda de uma alma pobre. No entanto, a jovem Galesa possui algo que Amy não tem e de que se pode orgulhar: o primeiro singleMercy’, resultado de uma alma pastiche dada pela sua exuberante voz nórdica.

O seu ritmo, que nos leva a levantar o pé do chão, é ligeiramente enganador uma vez que o disco, Rockferry, é preenchido por baladas soul. Duffy conseguiu organizar um álbum repleto de sinfonias pop, com um estilo e glamour que faz lembrar a música dos anos 60, percorrendo toda uma gama, do lounge (‘Hanging on too long’, ‘Stepping Stone’), ao mais rico e melodramático pop (‘Distant Dreamer’, ‘Warwick Avenue’, ‘Rockferry’). O que a Rockferry falta de original – é um exercício de replicação e não de inovação – é compensado pela boa maneira de fazer música, cujo primeiro e fundamental passo é dar atenção às letras.

Como convém a um disco que começa com ‘Rockferry’, um triste e perturbante relato sobre seguir em frente, e termina com ‘Distant Dreamer’, uma música em tons de épico que deixa em aberto tudo o que Duffy quer fazer com a sua vida. Rockferry, o disco, é uma jornada musical ao mesmo tempo triste e emocionante, a primeira assinatura do talento musical de Duffy.

Sítios: Oficial, AllMusic, MySpace




Pedro Xavier

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Annie Hall (1979)

A jeito de continuação do post anterior, estava na cara que o próximo filme a ser revisitado para a review da semana seria Annie Hall.

É usual pensar em Annie Hall e em Manhattan como dois filmes em tudo quase semelhantes. Ambos têm como pano de fundo a cidade de Nova Iorque e são ambos sustentados pelos alicerces de pequenas intrigas amorosas que giram à volta de neuróticas e agridoces peripécias românticas, incidindo na aparente impossibilidade de encontrar o amor derradeiro. Ambos estrearam na década de 70 do século passado, respectivamente 1977 e 1979. Muito discutivelmente, este é considerado o período em que Woody Allen teve o seu maior pico de criatividade e originalidade.


Contudo, enquanto Manhattan é nas suas vísceras um filme sensual e contemplativo, é muito mais romântico do que cómico. Por outro lado, Annie Hall é assumidamente hilariante, com um gosto adocicado dado pelo romance entre Alvy Singer (Woody Allen) e Annie Hall (Diane Keaton). Estruturalmente, Annie Hall – o filme - lembra-nos um de Federico Fellini (Amarcord, 8 1/2) na sua qualidade mais autobiográfica, em tons característicos de comédia camuflada. A narrativa tão simetricamente pouco linear de Annie Hall discorre de acordo com os caprichos do narrador. Alvy Singer não é mais do que uma personalidade homónima de Allen que, à medida que a narrativa se desenvolve em forma de auto-crítica, se dá a conhecer – os 15 anos que Alvy passou em terapia revelam que é, entre outras coisas, paranóico, neurótico, possessivo e xenófobo em relação a qualquer coisa que não é Nova Iorquina – e nos conduz simpaticamente à fábula do seu romance.

A obsessão de Alvy na gradual deterioração da sua tão queria Nova Iorque e a crescente aversão à cultura (ou falta dela) da Califórnia, fornecem a base psicológica em que assenta este moderno conto de amor. Annie, como objecto de desejo de Alvy Singer, é uma figura tão incerta e desorganizada tal como como uma mistura de amor genuíno com loucura (ninguém diz la di da) que, no meio deste ambiente neurótico, não admira que necessite de fumar erva antes de ter sexo com alguém.


À medida que Allen nos dá a conhecer os romances falhados de Alvy, permite que haja uma intromissão de Singer no filme para comentar, sarcasticamente, as fraquezas daqueles que o rodeiam. Irrita-se particularmente com o falso intelectualismo que o rodeia. No entanto, assim como é duro consigo e com os outros, o seu criticismo não é nada condescendente.

É admirável que Allen consiga misturar todos estes honestos ingredientes num único filme e, ainda assim, torná-lo divertido. Não é de admirar que Annie Hall tenha vencido a tão cobiçada estatueta dourada (Woody não apareceu para a receber), no ano em que Star Wars revolucionou todo o conceito de entretenimento cinematográfico.





Pedro Xavier

terça-feira, 3 de junho de 2008

La di da

O site de cinema rottentomatoes, conhecido por ter uma base de dados gigantesca de críticas a filmes, organizou um top para as "20 Most Iconic New York Women". De entre todas as nomeadas destaca-se a vencedora, Annie Hall, a personagem criada por Woody Allen para o filme homónimo de 1977, interpretada por Diane Keaton.

No ano de 78, Annie Hall levava para casa os principais prémios da Academia - Melhor Filme, Melhor Realizador (Woody Allen), Melhor Actriz Principal (Diane Keaton), Melhor Argumento Original (Woody Allen e Marshall Brickman) e ainda a nomeação de Melhor Actor (Woody Allen).

Em baixo encontra-se a descrição (do site rottentomatoes) para vencedora e ainda um vídeo que reúne os melhores momentos de Annie.

"Like Holly Golightly, she floats, sometimes unmoored. Like Katie Morosky she's strong willed. Annie Hall is the unattainable fantasy. Part of what her boyfriend, Alvy Singer (Woody Allen), loves about her is that she's never totally given to him, and we don't really gain complete access to her either. She trumps the intellectually vainglorious Alvy(and he can be a pill) but outside of that skill set she's just a girl trying to figure herself out in a city big enough to swallow you if you're not careful. She's hard to pin down, harder to figure out, and like our other enigmatic New Yorkers, easy to see yourself in."



Pedro Xavier

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Poster - Lolita (1962)

«Como é que fizeram um filme de Lolita?» Esta era a pergunta do poster e do trailer de 1962. Nesse ano Stanley Kubrick («2001 Uma Odisseia No Espaço», «A Laranja Mecânica», «Eyes Wide Shut») apresentou a adaptação do romance proibido de Vladimir Nabokov e entregou os principais papéis a James Mason e a Sue Lyon, a heroína do romance. A origem do nome para a mulher-criança «Lolita» é «lolipop» (chupa-chupa), como o vermelho que Sue Lyon chupa enquanto usa óculos de sol em forma de coração.

Após um minucioso trabalho, Stanley Kubrick conseguiu iludir os olhos cegos da censura e apresentar um guião, mesmo assim, absolutamente erótico (era isso que estava em causa) da obra do escritor russo.

Pedro Xavier

domingo, 1 de junho de 2008

Cassandra's Dream - O Sonho de Cassandra (DVD)

O filme estreado a 10 de Janeiro deste ano não me podia deixar indiferente. Apesar de não o ter ido ver ao cinema, foi com alguma ansiedade que esperei o seu lançamento em DVD para finalmente o poder ver. Para além do mais, era um Woody Allen, um dos últimos grandes cineastas vivos.

Ian (Ewan McGregor) e Terry (Colin Farrell) são dois irmãos que, oriundos de uma modesta família de Londres, sonham em ter uma vida melhor. Enquanto Terry vive sob o peso dos vícios (apostas e bebida), Ian tenta levar uma vida de luxo em alta sociedade a partir do momento em que conhece Angela (Hayley Atwell). De maneira a resolver os seus problemas financeiros – Ian não consegue sustentar a sua ostensiva vida e Terry endividou-se num jogo de poker - recorrem à ajuda financeira do tio Howard (Tom Wilkinson), o exemplo familiar de sucesso constantemente citado nas conversas da mãe (para ódio do pai). Howard acede ao pedido mas com uma condição: quer que os rapazes assassinem um ex-colega de trabalho que, de convicção inabalável, pretende testemunhar contra ele pela sua falta de ética no seu negócio (cirurgias plásticas). Estupefactos pela proposta, os dois irmãos terão agora de lidar com o quanto realmente precisam do dinheiro.


Uma das características de Woody Allen, enquanto cineasta, é a sua meticulosa maneira de escrever. No entanto, o guião de Cassandra’s Dream pode ser considerado como um caso extraconjugal do realizador . São páginas seguidas de diálogos, em que a escolha de algumas palavras seria o suficiente. O objectivo de Allen não é escolher palavras valorosas mas sim, através delas, reproduzir um ambiente vertiginoso de confusão e relutância, numa abordagem semi-teatral que põe Ian e Terry em permanente diálogo, a debater todos os seus pequenos impulsos. Ewan e Colin são os violinos desta orquestra. Pode-se dizer que Colin Farrell apresenta-se no seu melhor, conseguindo convencer uma profunda angústia simplesmente por uma nervosa expressão facial. Com Ewan McGregor, no papel de eterno optimista, há uma interacção familiar espantosa entre os dois irmãos, por vezes fazendo brilhar a prosa de Allen.


A brilhar, mas à sombra do triunfo de 2005, o mórbido e violento Match Point (a meu ver, a sua última obra-prima), Woody Allen continua fascinado com a fraqueza humana em nome da sobrevivência individual. Tal como em Scoop, não deixa de dar duplos sentidos e referências icónicas aos elementos da sua obra. Não é por acaso que Cassandra é o nome do barco dos irmãos. À parte a origem mitológica, ser Cassandra nos tempos modernos é ser considerado modelo referente à tragédia, o arquétipo de uma personagem profética aterrorizada por uma obscura insanidade. O recheio do filme – a discussão ética que levará ao homicídio – não é mais do que um cânone clássico de uma tragédia grega, reproduzido por Allen com o intuito de revelar os aspectos mais negros da natureza humana. A interpretação de Colin Farrell não é mais do que a representação amoral de uma consciência pesada. Os pontos fortes do filme estão escondidos no processo de decisão do homicídio, no trauma psicológico e na escolha de uma saída de fuga à culpa.

Woody Allen é um génio na comédia, embora com uma ou outra costela com gosto pelo escuro e pelo macabro. Cassandra’s Dream não é o seu trabalho mais forte, mas oferece ao espectador uma atitude paranóica recheada de suspense.





Pedro Xavier