sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A Morte de Ivan Ilitch

Em A Morte de Ivan Ilich, de Lev Tolstoi, a personagem principal, Ivan, funcionário público do sistema judicial da Rússia czarista, leva uma vida de dor física, resultado de uma angústia mental que o consome. A doença fá-lo passar por diversos sintomas, muitos devido ao stress mental a que está sujeito, no entanto, nunca descobre que a origem do seu sofrimento é essencialmente interna. É descrita como a repressão e a resistência a uma determinada ideia pode ter como consequência o sofrimento físico. O próprio Ivan reconhece que o seu corpo reagiu à dor vinda de fora (infligida por outros) e concentra-se na cura através da psicanálise, para além de se tentar curar pela medicina conhecida.

A primeira era da vida de Ivan é vivida repleta de contentamento mas, quando entra na idade adulta, sucumbe à pressão social de ter de se casar. Casa com uma mulher chamada Praskóvia Fiódorovna, “de boa família” e com “algumas propriedades em seu nome”, que afirma estar perdidamente apaixonada por ele, apesar da falta de paixão recíproca. Ivan é indiferente ao casamento e à sua nova mulher, não está particularmente entusiasmado mas também não é tiranizado por ele. O casamento acaba por se tornar uma maneira de viver, como qualquer outro hábito. Depois de descobrir um lado mais desagradável na persona de Praskóvia, chega à conclusão de que estará preso àquele casamento até ao fim dos seus dias. À procura de uma fonte alternativa de felicidade, focaliza grande parte dos seus dias na sua carreira, para se afastar daquela amarga situação que faz parte da sua vida. A reviravolta na história ocorre quando, ao decorar a nova casa que o seu cargo lhe permite ter, ao subir o escadote, «recuou e caiu, mas como homem forte e ágil, segurou-se e apenas chocou de flanco contra o fecho de uma janela». Pouco a pouco, a doença resultante da queda torna-o incapaz de desfrutar as riquezas e o convívio em sociedade que os anos de esforço e a consequente ascensão social lhe haviam sido oferecidos.

Deste ponto para a frente, Ivan passa por episódios incrementalmente dolorosos à medida que envelhece e torna-se ainda mais descontente com a sua vida familiar. Aquilo que começou por «um gosto estranho na boca e um certo desconforto no lado esquerdo do ventre», expandiu-se em dores insuportáveis que intoxicam o seu corpo, começando pelo peito e que, por vezes, o levavam à total imobilização, acompanhada por uma irritante irritabilidade. O seu sofrimento faz com que reflicta sobre a efemeridade da vida e a inevitabilidade da morte. A solução apresentada para se ultrapassar a dor física é viver a emoção de uma memória reprimida, verbalizando-a. Ao confrontar os pensamentos desagradáveis dessa memória à situação dolorosa que se vive, uma pessoa é capaz de superar desse momento traumático e tornar mais suportáveis os sintomas de doença física. A fonte inconsciente da doença, manifestada pela dor física, acaba por torturar interminavelmente Ivan Ilitch. Tivesse ele reconhecido que a sua dor era obra da sua miserável vida familiar, a sua consciência teria sido aliviada deste ressentimento reprimido.

Conhecido pelos seus romances Guerra e Paz e Anna Karenina, Lev Tolstoi é considerado um dos maiores escritores do século XIX. Os seus contemporâneos olharam para obra como uma crítica a um certo materialismo banal e hipócrita que regia a sociedade russa da época. A personificação de tal crítica é apresentada, não só pelos colegas de profissão, mas essencialmente pela mulher de Ivan, que o crítica implacavelmente a partir do momento em que o vê enfermo numa cama.


O destino de Ivan não só é apresentado no título da obra assim como, imediatamente, no primeiro capítulo, passado na casa do falecido, onde se desenrola o velório. A estrutura narrativa é de tal forma encadeada de maneira a manter o interesse do leitor sempre desperto até ao desfecho final. A universalidade da temática da morte é responsável por uma identificação imediata do leitor com os episódios da doença de Ivan, uma vez que são experiências comuns a todos os seres humanos.

A Morte de Ivan Ilitch é uma obra sobre a enfermidade espiritual, o sofrimento físico e a superação pelo crescimento e salvação moral através da redenção pelo sofrimento, até se alcançar a verdade.

“- E a morte? Onde está ela?

Procurava o seu habitual medo, o anterior medo da morte e não o encontrava. Onde está ela? Qual morte? Não tinha medo nenhum, porque também não havia morte.

Em lugar da morte havia uma luz.

- É então isto! – disse ele de súbito em voz alta. – Que alegria!

Tal como diz António Lobo Antunes no prefácio da edição da Dom Quixote, A Morte de Ivan Ilitch é “uma das maiores obras-primas do espírito humano” e coloca a dúvida: “trata-se de uma obra sobre a morte ou de uma obra que nega a morte?”.

Pedro Xavier

1 comentário:

Anónimo disse...

Acabei agora de ler esse livro!!é completamente fantástico!!