O texto seguinte foi publicado no blog Deuxieme a 24 de Abril de 2008, com o título: «Estreias da Semana».
BLADE RUNNER - PERIGO IMINENTE: VERSÃO FINAL
Completados 25 anos da sua estreia (comemorados em 2007), o intemporal e magistral Blade Runner volta ao grande ecrã, desta vez na sua versão definitiva; digamos que a versão que Ridley Scott imaginou na totalidade. Esta nova edição (que se encontra já a venda em DVD no mercado) contém cenas extra, diálogos adicionais, um tratamento de remasterização da imagem e do som, e leva-nos para num desencantado futuro dominado pela alta tecnologia, onde Deckard (Harrison Ford soberbo), um ex-blade runner (polícia), se vê novamente a braços com uma perseguição a 6 andróides replicantes assassinos em fuga, com a missão de os exterminar da terra. Num combate sem igual, Deckard perde-se na violência da ironia "tecnológica" criada pelo próprio homem, enquanto se apaixona por uma misteriosa replicante que lhe custará um elevado preço moral e humano.
Filmado sobre o registo do melhor noir com toques ciberpunk (tão presentes nos mais variados artefactos culturais da sociedade actual), Blade Runner mantém, volvidos todos estes anos, uma frescura, beleza, originalidade e sobriedade absolutamente intocáveis, que o tornam num imaculado objecto de culto da sétima arte, e que figura em grandiosos lugares de qualquer selecção cinematográfica que se efectue. São incontáveis os momentos que ficam para sempre gravados no nosso imaginário, para além da fabulosa mise-en-scene, da riquíssima linguagem simbólica dos corpos (humanos e não humanos) e dos espaços - exemplos muito copiados até aos dias de hoje, poucas vezes bem conseguidos, mas sobretudo nunca ultrapassados. Para finalizar tudo isto, é ainda de notar que esta versão é, sem dúvida, uma mais valia na medida que consagra todo o argumento para um final de enorme força dramática, e que encaixa vários dados que se encontravam à deriva pelo filme, nas versões alternativas que foram comercializadas antes - tudo bate certo, para um novo e maior ponto de vista e análise. A visão de Ridley Scott e a imaginação de Philip K. Dick ganham aqui uma proporção, literalmente falando, do outro mundo, e a possibilidade de se visionar numa sala de cinema é, sem outra possível definição, um momento de pura magia irrepetível para qualquer cinéfilo que se preze. Absolutamente obrigatório, para ver e rever, vezes sem conta.
5/5
TUDO O QUE PERDEMOS
Após a ressaca dos Óscares e antes da avalanche dos blockbusters de Verão, existe ainda lugar para exemplos do melhor que o género dramático nos pode presentear. Neste tempo intermitente, é de louvar a realizadora dinamarquesa Susanne Bier, que nos traz uma arrojada e poderosa obra sobre a redenção e as formas frágeis onde o amor nasce. Sob a produção de Sam Mendes, Tudo o que Perdemos é um belíssimo drama que nos coloca no seio de uma família, composta por Audrey Burke e as suas filhas, inesperadamente atingidas pela morte de Brian, o marido/pai (singular David Duchovny). Perante uma nova realidade de contornos quase sufocantes, Audrey traça laços de amizade com Jerry Sunborne, um toxicodepente perdido, que era o melhor amigo de Brian desde a sua infância, e de quem Audrey nunca gostou. Num processo de "auto-salvação", Audrey lança-se para ajudar Jerry (ao pedir que se mude para viver na sua recuperada garagem), enquanto tenta sobreviver à tona, com as suas filhas, no enorme pesadelo da perda - sem imaginar que Jerry lhe irá mostrar, da forma mais difícil, o longo caminho da aceitação e redenção pessoais.
Numa narrativa linear (somente alimentada na primeira parte por flashbacks), ao longo de duas horas, tomamos parte do turbilhão de emoções que habitam nestes personagens, confusos entre sentimentos mas certos da sua orientação, que nos fazem viver momentos de grande cinema, onde Berry e Del Toro são brilhantes na representação dos espaços frágeis que habitam sobre o amor e a revolta, sempre bem suportados pelo grandioso trabalho de câmara de Bier, que nos remete para Bergman com os seus grandes planos, uma vez mais reveladores de que os rostos são uma matéria de enorme valor fílmico e humano. Juntamente com O Lado Selvagem e No Vale de Elah, este é um dos mais poderosos dramas que este ano nos trouxe até agora.
5/5
VESTIDA PARA CASAR
Esta semana temos também espaço para uma comédia romântica muito simpática. Vestida para Casar conta a história de Jane Nichols (Katherine Heigl, a fascinante Izzie de Anatomia de Grey), uma jovem que dedica grande parte da sua vida a olhar pelos outros e a marcar presença num momento importante das suas vidas, como o casamento; daí ela guardar religiosamente 27 vestidos de dama de honor, apesar de sonhar com o dia em que ocupe o lugar da noiva, para viver uma bela história de amor. Perante estes "actos beneméritos" com os seus mais chegados, Kevin Doyle (James Marsden), um jornalista descarado, descobre assim os ingredientes ideais para escrever uma bela estória, e aventura-se no caminho de Jane, que se encontra já marcado pela confusão que a sua irmã Tess (Malin Akerman) criou, ao roubar-lhe, inadvertidamente, o homem dos seus sonhos - o seu patrão (Edward Burns).
Com confiança e determinação, Anne Fletcher realiza um filme extremamente divertido, dotado de diálogos originais e carregados de bom humor, com uma mensagem bonita e que resulta num objecto de entretenimento inteligente. Para fixar fica a óptima prestação de Katherine Heigl (que desvenda, a par de Julia Roberts e Meg Ryan, uma sólida figura para registos futuros deste tipo) e alguns momentos bem concebidos, como o improvável, mas delicioso "Bennie and the Jets".
3/5
UNS ESPARTANOS DO PIOR
Se este ano já abarca consigo alguns títulos de medíocre e/ou duvidosa qualidade, eis que nos chega, até ao momento, o pior filme do ano. É doloroso classificar "isto" como "filme", pois não existe um pingo de cinema aqui dentro. Sobre a alçada das sagas Scary Movie e do recente Epic Movie, Uns Espartanos do Pior volta a combinar o cinema (dos últimos dois anos) e mistura-o com os podres da socialite americana. O resultado é um absoluto desastre, onde a simples paródia a títulos como 300, Uns Compadres do Pior, Rocky Balboa e Transformers não funciona nem sequer por 30 segundos.
Apesar disso, o pior concentra-se na seguinte questão: como se elabora um projecto destes numa filosofia de "tudo é possível e válido", até as mais importantes e basilares regras da sétima arte ficam por respeitar: ritmo narrativo é nulo, interpretações não existem, o argumento roça o mais ordinário e pueril dos tempos actuais, e não existe também qualquer noção de raccord (a cena da nudez cortada em três planos revela descaradamente um fato de banho, já para não falar nos microfones presentes em inúmeras cenas e de se ver, no poço da morte, o espaço onde as vítimas "caem", ao nível do solo), e note-se ainda um facto extraordinário que é a necessidade constante de cada momento de paródia a algo ser devidamente identificado pelos actores (?), que indicam à força quem é a personagem, nessa altura. Sim, porque diga-se que ao verificar a silhueta dum boxeur com a cara de Stallone, semi-nu de calções, (onde até se encontra inscrito o nome do personagem) e de luvas postas, o espectador precisa ainda assim que a acção (?) seja suspensa para que os actores (?) soltem, num espanto mais farçola que os grunhidos dum filme pornográfico, um surpreendente "Rocky!". Um verdadeiro e atroz atestado de estupidez, até ao público menos exigente.
1/5 (só porque não usamos "bola preta".)
Francisco Toscano Silva
2 comentários:
Blade Runner é um dos meus filmes favoritos de ficção científica de sempre (Alien é um dos outros). Ainda só vi a primeira versão do filme. Espero que esta esteja ao mesmo nível (ou melhor ainda). Pelo que o Francisco T. Silva, escreveu ainda com mais vontade de ver o filme.
Parabéns pelo blog. 1 abraço à equipa.
Só mais uma coisa, só agora é que descobri este blog na net. Vão ser sempre aqui analisadas as estreias da semana? Se sim, óptimo!
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