O texto seguinte foi publicado no blog Deuxieme a 21 de Maio de 2008, com o título: «Estreias da Semana».
INDIANA JONES E O REINO DA CAVEIRA DE CRISTAL
Volvidos 19 anos desde a última aventura, Indiana Jones regressa ao grande ecrã, com todos os ingredientes necessários que sustentam, sem problemas, um filme renovador da saga que recorda de que material é feito um dos maiores heróis da sétima arte.
Tudo começa no improvável deserto do Nevada, em 1957, quando agentes do KGB, dirigidos por Irina Spalko (Cate Blanchett), tomam de assalto um armazém secreto de artefactos e segredos dos EUA, onde pensam estar guardada a lendária Caveira de Cristal de Akator, que esconde um poder paranormal que permite dominar a mente de toda a Humanidade; Jones (Harrison Ford) consegue escapar dos Russos, mas somente para encontrar problemas maiores, como uma pátria que dele desconfia e o investiga, um jovem impetuoso de nome Mutt Williams (Shia LaBeouf) que lhe traz informações importantes sobre o paradeiro da Caveira e da sua lenda e, ainda, o reencontro com um velho amor (Karen Allen) que esconde um factor familiar inesperado; tudo isto em viagem pela América do Sul, em fuga de uma temível URSS sedenta de poder e conhecimento extra… terrestre.
A grandiosidade de uma saga como a de Indiana Jones suscita inúmeros pontos de análise para esta obra, que residem em várias questões a reter. Primeiro, este é um regresso (esperado há anos) que comporta consigo um avanço na história da personagem (o palco da 2ª Guerra Mundial é trocado pela Guerra-Fria), bem como um avanço na visão da concepção do próprio cinema, munido agora de novas tecnologias, e como tal, este novo capítulo encerra em si novíssimos efeitos especiais e um espectáculo visual maior que qualquer filme anterior, ainda que, no entanto, tenha sido filmado numa “old fashioned way”, em alguns cenários materiais e onde Ford se mostra incansável (caramba, ele faz em Julho 66 anos!). Não falamos de superioridade em relação ao passado, mas sim a uma visão diferente e igualmente competente.
Um dos maiores pontos-chave da qualidade deste novo capítulo incide sobre o argumento, a cargo de David Koepp, que concilia a ficção da aventura com os fantasmas de um mundo bipolar (e de uma América às avessas interiormente); a “estória” base que emerge sobre a “história” real daquele período encaixa na perfeição, onde se alia uma questão arqueológica de enorme valor (a enigmática e vital Caveira de Cristal, que é o ponto de partida para Jones) com um interessante olhar sobre uma era de obsessão mundial pelo poder e conhecimento globais, onde não se olha a meios para determinar os fins (a Caveira sobre o prisma de ser “a arma mais poderosa de sempre”, ponto de partida para a URSS). Sobre estas perspectivas, O Reino da Caveira de Cristal encontra-se ao nível de qualquer outra aventura, ao fornecer o melhor que esta saga nos tem trazido: a luta pelo lugar da história (enquanto religião e factor determinante do conhecimento) no seu meio presente, por entre os caminhos fatais da tentação e corrupção que o comum dos mortais toma, ao querer dominá-la para seu benefício pessoal.
E, se olharmos para além da premissa narrativa, o que mais temos? Um herói em constante mutação, ao abrigo das mais inesperadas situações - Spielberg marca nesta realização um tom mais arrastado e pausado, que ao contrário de sugerir “desinspiração”, antes revela espaço para o natural envelhecimento do próprio Indy, presente na frase inicial "não será fácil como antes", e que é visível nas falhas dos golpes de chicote e alguns tropeções, que se apresentam, de uma forma graciosa, com mais humor no decorrer da acção, ao mesmo tempo que dão margem para que Indy mostre que a sua experiência e sapiência evoluíram decorridos os anos (é só verificar a calma e segurança com que ele lida com a KGB no assalto inicial ou com a descoberta da Caveira, na companhia de Mutt). Para além disto, é irónico olhar para Indy e ver nele as mesmas atitudes e expressões que o seu pai Henry (Sean Connery, presente na Grande Cruzada) tomava, e que ele prontamente criticava – afinal, Indy já é pai, o legado continua e por isso é necessário “educar” a mente de Mutt / Henry Jones III para o “mundo” (tal como já vimos na anteriormente referida Grande Cruzada, e que seria um excelente mote para uma próxima aventura).
Com uma demanda tão importante, a nova aventura de Indiana disponibiliza soberbos momentos de acção – sejam eles em Nevada ou nas florestas da Amazónia, em motas ou camiões, com pistolas ou espadas, em terra ou numa cascata – que nos fazem viver grandes momentos de adrenalina. Há espaço para tudo: formigas que devoram homens, caveiras com poderes sobrenaturais, templos repletos de artimanhas, estações nucleares que rebentam ou o contacto com a vida extra-terrestre (tão bem captada pelo medo global da época em questão, alimentada pelo pânico dos óvnis e da existência de outros seres sobrenaturais, hoje verdadeiros produtos da cultura popular). Toda a estória é perfeita e destaca-se das anteriores, uma vez mais, pela originalidade e pela força do seu próprio “mistério” presente no centro da narrativa, ponto fulcral patente na questão final quando Indy refere que "não quer ir por aí" face a uma descoberta excepcional, pois há coisas maiores que a vida e para lá do mero conhecimento empírico; “coisas” como a Arca da Aliança, as Pedras de Sankara ou o Santo Graal.
Apesar de tudo isto, é inevitável referir que este é o capítulo mais fraco de toda a saga – o que também não é difícil, tendo em conta que os 3 primeiros filmes são absolutamente notáveis e irrepreensíveis. Por fraco, eu entendo que não contém, por exemplo, o ritmo e suspense sufocante dos Salteadores, não mergulha numa escuridão tão mística e aterradora como a do Templo Perdido e, por fim, não recupera um reencontro familiar tão intenso como a Grande Cruzada proporciona. A juntar ao facto de Cate Blanchett estar pouco aproveitada (queríamos mais de uma actriz tão brilhante, sobretudo num registo tão único como este – é uma vilã magnífica), de os Russos não possuírem a força e malvadez que os Nazis mostraram deter noutras núpcias, bem como ainda é de notar alguma falta de carisma de Shia LaBeouf (que aguardamos que seja trabalhada nos próximos filmes), e existem ainda poucos momentos de Karen Allen; ambas as personagens necessitavam de uma presença ainda mais forte que a prestada. No entanto, o elenco funciona bastante bem, e a banda sonora de John Williams torna a recuperar os temas tão conhecidos, e dá elegância e força às cenas. São estes os únicos pontos que não permitem que se possa elevar a obra a valores máximos, pois de resto está lá tudo - absolutamente tudo - e com uma mente ainda mais aberta entre a fantasia e a realidade.
Bem vistas as coisas, este filme acaba, de certa forma, por condensar as fórmulas de todos os anteriores, e reinventa o mapa mundial e a própria personagem. O que é (foi) um risco, diga-se. Felizmente que Spielberg não perdeu mais tempo e tomou-o. O resultado é uma fabulosa viagem pelo género da aventura, onde encontramos todas as bases de um cinema americano clássico, que não desaponta e nos relembram que ninguém filma o mundo da acção e as paisagens da aventura como o genial Steven Spielberg. Cito e saúdo o Vasco Câmara, quando diz que "este chapéu só lhe serve a ele: Indiana Jones".
Ford (que na opinião de Roger Ebert - e na minha - tem um rosto como o de Robert Mitchum – não envelhece, só engrandece) revela ter voltado a vestir a pele desta personagem para recuperar "a arte de contar histórias" e "dar a conhecer em ecrã grande, que é onde se devem ver filmes, esta personagem a uma geração que só conhece Indiana Jones em DVD". Não posso concordar mais com esta afirmação, como em simultâneo duvido que pudesse estar muito mais contente com um filme como este.
Um óptimo regresso, que já fazia falta para meter na ordem todos os infiéis e medíocres copiões do género. Como este não há mais nenhum.
4 / 5
Francisco Toscano Silva