quinta-feira, 29 de maio de 2008

The Thomas Crown Affair (1968)

O guião de Alan Trustman pode ser resumido em poucas palavras. Thomas Crown (Steve McQueen), milionário enfadado pela sua vida sistémica e rotineira, não só arquitecta um plano (infalível) de assalto a um banco, como ainda controla à distância um bando de rufias (que nunca o viram) para executar o trabalho. Vicky Anderson (Faye Dunaway), investigadora de seguros, suspeita de Crown, apesar de não conseguir encontrar qualquer prova que o implique ao crime cometido. A caça abre, a caçadora avança para a sua presa e eis que algo vai contra os planos de ambos: acabam inevitavelmente apaixonados! Até ao final do filme ficamos na dúvida qual dos dois vai prevalecer: o amor ou o sentido do dever.

Depois do sucesso de In Heat of the Night (1967), vencedor de cinco Oscar, foi dada a Norman Jewison total liberdade artística para realizar o seu próximo filme. Tendo como pano de fundo este cenário, deu asas à imaginação e apresentou nos finais dos anos 60 uma estética inovadora representativa de uma narrativa muito própria que viria a tornar-se comum nas décadas que lhe seguiriam: a divisão do ecrã em múltiplas partes (ainda hoje se pode ver isso na série 24). De facto, Jewison deu primazia à estética em detrimento do conteúdo narrativo. O realizador passa a imagem da superficialidade da vida de Crown, que deambula entre o campo e mundo elegante da cidade, entre os desportos e leilões de arte, sempre rodeado de belas mulheres nos seus mundanos chapéus e automóveis topo de gama e, duma maneira secundária, põe de lado os pormenores do crime organizado e todos os meandros que o regem.


Se esta é uma face da moeda, a outra é o jogo amoroso de gato e rato pelos protagonistas e, está nas suas interpretações, o grande trunfo de Jewison. Vicky serve na perfeição, como uma luva, ao estilo elegante e charmoso de Faye Dunaway. Se Faye poderia ser substituída, o mesmo não se pode dizer de Steve McQueen. Thomas Crown é McQueen e McQueen foi considerado o king of cool. Está tudo dito. As personagens revelam-se (ainda que indirectamente) num jogo de sedução sofisticado, cínico e romântico, como nunca antes visto, através de um tabuleiro de xadrez. Nesta caça, a maioria das vitórias e das derrotas não são contabilizadas. Nunca sabemos, ao certo, quem é o rato e quem é o gato. Thomas joga contra todos – a polícia, Vicky e ele próprio. O jogo de Vicky, por outro lado, apesar de ter um único objectivo, oferece um risco pessoal elevado, porque não há maneira de vencer este jogo. Se derrotar Thomas, perde-o.



Tudo em Thomas Crown Affair é um jogo, desde a maneira em como as personagens interagem entre si, até à forma em como o realizador engana o espectador. Ao tom simpático e ligeiro que acompanha todo o filme sucede um gosto amargo da reviravolta final. Jewison admitiu, numa entrevista, a influência do cinema europeu, mais concretamente da Nouvelle Vague, algo que se torna óbvio pela cena final.

A título de resumo, e ignorando todos os lugares-comuns e erros cometidos, o que realmente se vê é a interacção entre as duas personagens, a química sexual presente durante todo o filme, num ambiente repleto de estilo e ostentação.



Pedro Xavier

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Marte

A sonda espacial americana Phoenix aterrou finalmente em Marte, mais precisamente na zona do pólo Norte, após o seu lançamento em Agosto de 2007. Marte, o planeta vermelho deserto à superfície, tem fontes de gelo que emergem debaixo do solo na região onde a sonda aterrou. A Phoenix vai escavar o solo, recorrendo a um braço mecânico, com o intuito de recolher amostras de gelo para análise.

Pode-se ver pela imagem acima que, na plataforma da Phoenix, está instalado um mini-DVD da Planetary Society, cujo conteúdo é uma mensagem para os futuros exploradores de Marte (ou, quem sabe, para os Marcianos). Após séculos a sonhar com seres vindos do espaço, quer através dos livros (War of the Worlds), quer através de filmes (são incontáveis), a humanidade nunca esteve tão próxima de obter uma resposta como agora.

Pedro Xavier

Cat Power (2)

Mesmo a propósito, foi a 26 de Maio, 2ª feira passada, que Cat Power se apresentou no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, para dar a conhecer ao público português o seu mais recente disco Jukebox. Diz quem lá esteve, inclusive os repórteres dos sítios Diário Digital, Cotonete e Blitz, que foi um concerto memorável.

Com imagens do filme My Blueberry Nights, de Wong Kar Wai, filme ao qual Cat Power dá voz em duas músicas, aqui fica The Greatest.



Pedro Xavier

EMPIRE

Que se passe rapidamente os olhos no endereço da revista EMPIRE, para constatar diversos factos, apesar de dissimulados por algum nevoeiro oriundo da pequenez nacionalista: 1) a crescente importância da publicidade como via de promoção fílmica; 2) o complemento do formato digital ao formato papel e não a sua completa extinção (do 2º formato), tal como vem sido anunciada; 3) o panorama nacional de divulgação do cinema não permite a existência de uma revista especializada, quanto mais de uma que faz uma edição especial de duas capas e um conteúdo “riscado” pelo vilão de serviço.

Enfim, no meio disto tudo, só resta esperar pelo filme…

Pedro Xavier

Princesa Encantada da Quimera


Florbela Espanca escreveu, no seu último ano de vida, um Diário que tive oportunidade de ler hoje. As suas últimas palavras foram escritas a 2 de Dezembro de 1930, seis dias antes do seu suicídio, a 8 de Dezembro do mesmo ano, dia em que completava 36 anos de idade.
Neste diário, pode notar-se uma evolução de estados de espírito que explica, de certa forma, o culminar trágico que se conhece.
Muito me tocaram as primeiras linhas escritas pela poetisa no primeiro dia (a 11 de Janeiro de 1930), uma reflexão sobre a desagregação do tempo, que "Não sinto deslizar [o tempo] através de mim, sou eu que deslizo através dele e sinto-me passar com a consciência nítida dos minutos que passam e dos que se vão seguir".
A poetisa queixa-se de não conseguir conhecer-se verdadeiramente ('problema' recorrente de muitos poetas) e, por vezes, sente-se invulgarmente entediada com a vida. "Attendre sans espérer - poderia ser a minha divisa, a divisa do meu tédio que ainda se dá ao prazer de fazer frases".
Em alguns dias dos primeiros meses do Diário, Florbela Espanca mostra-se feliz por estar viva, regozija-se perante acontecimentos que, embora vulgares, lhe parecem carregados de algum simbolismo. Relembre-se, "Viver não é parar: é continuamente renascer".
É muitas vezes invadida de uma nostalgia doce que a faz sentir-se bem.
No entanto, é logo no mês de Fevereiro que Florbela começa a mostrar-se indignada perante a vida e os outros. "Ser doido é a única forma de possuir e a maneira de ser alguma coisa de firme neste mundo".
Já nem mesmo consegue apreciar os romances que lê.
Mostra, por vezes, alguma esperança indefinida, "A vida tem a incoerência de um sonho. E quem sabe se realmente estaremos a dormir e a sonhar e acabaremos por despertar um dia? Será a esse despertar que os católicos chamam Deus?".
Com a chegada do Outono e a proximidade do Inverno, denota-se naquelas linhas uma estranha exultação da morte, como única solução possível. "A morte definitiva ou a morte transfiguradora? Mas que importa o que está para além? Seja o que for, será melhor que o mundo! Tudo será melhor do que esta vida!".
As suas últimas palavras formam uma linha, uma simples linha carregada de tanta coisa...
E não haver gestos novos, nem palavras novas!

Sara Toscano

A Mão No Arado


A Assírio & Alvim publicou, por ocasião do Dia Mundial da Poesia (21 de Março), o pequeno livrito de poesia Orla Marítima e Outros Poemas, de Ruy Belo (em exclusivo para a FNAC). Devo dizer que estas iniciativas são extremamente louváveis (e burro de quem não as aproveita). Eu por mim, tive a sorte de apanhar um exemplar. Não sendo grande especialista no que toca a poesia, deixo-vos aqui, no entanto, aquele que foi, para mim, o mais feliz poema contido na pequena obra, intitulado A Mão No Arado.

Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará

Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh! como é triste arriscar em humanos regressos
o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão
ao longo do mar transbordante de nós
no demorado adeus da nossa condição
É triste no jardim a solidão do sol
vê-lo desde o rumor e as casas da cidade
até uma vaga promessa de rio
e a pequenina vida que se concede às unhas
Mais triste é termos de nascer e morrer
e haver árvores ao fim da rua

É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro
É triste no outono concluir
que era o verão a única estação
Passou o solidário vento e não o conhecemos
e não soubemos ir até ao fundo da verdura
como rios que sabem onde encontrar o mar
e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver
através de palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã

Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância
revendo tudo isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora
É muito triste andar por entre Deus ausente

Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente
Sara Toscano

terça-feira, 27 de maio de 2008

Alexander Supertramp


Jon Krakauer, um escritor, jornalista e alpinista americano, escreveu O Lado Selvagem, um caso verídico acerca de como Christopher McCandless abandonou a civilização, em busca de uma aventura transcendente, genuína e perigosa.
Depois de ler este livro, que nos fala do percurso detalhado de McCandless através de algumas passagens do seu diário e das pessoas que foi conhecendo pelo caminho (e que muito marcou), parece-me que, na verdade, aquilo que ainda hoje permanece é o mistério que envolve toda a história deste jovem obstinado (à imagem do que sucedeu com outros casos idênticos ao dele).
Chris era um jovem enérgico, idealista, resistente e persistente. Desprezava intensamente o crescente materialismo da sociedade americana. Era extremamente influenciado pelo trabalho de nomes como Jack London, Leo Tolstoy ou Henry David Thoreau. Sonhava abandonar esta sociedade que o repugnava. E foi o que fez.
Isto levanta o tal problema, bastante debatido após a morte de "Alexander Supertramp": aventura ou estupidez?
Muitos dos leitores de Krakauer apresentam uma opinião negativa acerca da morte e da odisséia de McCandless, que apelidam de "algo nada corajoso, apenas estúpido, trágico e inconsciente". Alguns afirmam mesmo que aquilo que o rapaz fez foi, basicamente, cometer um suicídio.
Será?
"Quando se é jovem, é fácil acreditar que aquilo que desejamos é apenas aquilo que merecemos, partir do princípio de que, se se desejar muito uma coisa, consegui-la é um direito concedido por Deus".
"Chris McCandless era um jovem inexperiente que confundiu paixão com visão e agiu de acordo com uma lógica obscura e repleta de falhas".
"Nesse estádio da minha juventude, a morte continuava a representar um conceito tão abstracto como a geometria não-euclidiana ou o casamento. Ainda não tinha consciência da sua terrível condição de definitiva ou da perturbação que podia provocar naqueles que tinham os defuntos no coração. Incomodava-me o mistério sombrio da mortalidade. Não conseguia resistir a enganar os limites do destino e a espreitar para lá da fronteira. A insinuação do que estava escondido nessas sombras aterrorizava-me e, no entanto, no breve olhar, vislumbrava algo de proibido e enigmático que não era menos atractivo do que as suaves pétalas ocultas do sexo de uma mulher. No meu caso - e, creio, no caso de Chris McCandless - isso era muito diferente de querer morrer".
Na realidade, não poderia estar mais de acordo. O que é que há de estúpido na perseguição de um ideal tão forte como aquele de Alexander Supertramp (pseudónimo adoptado por Chris durante a sua aventura)? Só por ser imprudente? Por não ir prevenido? Por desconhecer alguns factos que poderiam ter-lhe salvo a vida? As coisas são mesmo assim. Penso que todos nós, na nossa vida, passamos sempre por uma altura em que seguimos este ou aquele impulso. Foi isso que Chris fez. Apenas em medidas bastante mais avassaladoras. E nesse sentido, teve mais coragem que muitos... Mas isto é uma simples opinião, cada um tem a sua.
Entretanto Chris McCandless deixou, numa folha gasta de contraplacado, uma exultante declaração de independência - memorável:

"Caminha pela terra durante dois anos, sem telefone, sem grupos, sem animais de estimação, sem cigarros, a liberdade total. Um extremista. Um viajante esteta cujo lar é a estrada. Fugiu de Atlanta. Não devereis regressar, «porque não há nada melhor que o oeste». E agora, passados dois anos de vagabundagem, chega a aventura final e mais extraordinária. A batalha em tom de clímax para destruir o falso ser interior e vitoriosamente concluir a revolução espiritual. Dez dias e dez noites de comboios de mercadorias e de boleias trazem-no para o grande norte branco. Sem jamais ter de voltar a ser envenenado pela civilização, foge e caminha sozinho pela terra para se perder na floresta."

Alexander Supertramp
Maio de 1992

Sara Toscano

Cinema em retroespectiva


Foi depois de descobrir o site da revista Cinema Retro que o blogue Arte Revisitada decidiu, como já vem acontecendo para o Poster da Semana, publicar semanalmente uma review de um grande clássico da história do cinema. Seja quer pela qualidade técnica, quer pela influência que marcou num determinado momento, iremos percorrer todas as décadas do século XX, não numa Grande Cruzada em busca do Santo Graal, mas a revisitar os seus grandes momentos.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Poster - E.T. (1982)

Na semana seguinte à estreia de Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal e depois de ter assistido ao seu visionamento na sala de cinema, a escolha do poster da semana remete-nos, não à personagem de chapéu e chicote, mas sim a um dos seus pais, Steven Spielberg. A frase “I had a horrible nightmare. I dreamed that I went... back in time. It was terrible.” (Back to the Future), neste caso, não se aplica. Voltemos a 1982.

No ano de 1982 foi-nos apresentado um belíssimo lote de filmes de elevada qualidade, desde filmes de ficção científica e terror (The Thing, Poltergeist, Blade Runner) aos grandes dramas (Gandhi, Fanny och Alexander, Tootsie). De entre todos os que estrearam nesse ano, há um que se destaca, não por ter um poster melhor que os outros, mas por ser do mesmo realizador das aventuras do historiador/arqueólogo mais cool do mundo. Falamos, claro, de E.T. – The Extra-Terrestrial.

Seria extremamente redutor considerar esta película como sendo um filme infantil, ou para crianças. Esta aventura de ficção científica é a homenagem de Spielberg à infância e ao despertar da criança que há em todos nós, com especial incidência na temática da amizade independentemente da origem, forma ou raça. E.T. é uma personagem em antítese por natureza – baixinho, simpático, olhos esbugalhados, bebedor de cerveja – aos aliens até então conhecidos (Ridley Scott já tinha apresentado Alien e George Lucas os dois primeiros episódios da bitrilogia Star Wars). Explicada está a sua capacidade de despertar compaixão e lágrimas em vários momentos do filme.

Em baixo ficam duas das sequências mais conhecidas (e acredite-se, são muitas mais), deste filme que merece nota máxima, independentemente do ano ou do número de vezes que o tenhamos visto.




Pedro Xavier

domingo, 25 de maio de 2008

Cat Power

Charilyn “Chan” Marshall, mais conhecida como Cat Power, anda há já tanto tempo pelo mundo do indie rock (desde 1995) que já é considerada uma favorita, uma representante do meio com um indelével talento que já não pode ser posto em causa. Mesmo quando compila um disco repleto de covers. A diferença reside no estilo reciclado, refrescante e revigorado que lhes dá, tornando-as suas as músicas de outros. Para introdução, com um ritmo de blues, apresenta-nos “New York”, uma versão repleta de explosivos drums acompanhados por uma guitarra atrevida.

A sua delicada voz flutua aparentemente sem rumo nem sentido por um percurso lânguido, criando um ambiente negro, iluminado por um ritmo etéreo que, na verdade, não pode ser descrito por palavras. É por isso que, onde tantos outros falharam na adopção musical de grandes clássicos, Cat Power consegue dar-lhes um novo tom. Os tons sombrios e cinzentos que preenchem “Ramblin’ (Wo)man” tornam a segunda música de Jukebox um aconchegante estado de falta de ecstasy e consciência, uma viagem pela sinuosa auto-estrada dos blues que tem como destino a realidade mística da sua voz melancólica.


Ao se olhar para as 12 faixas que perfazem Jukebox, encontramos uma diversidade de artistas que Marshall escolheu para prestar homenagem. Ao seu próprio jeito, vai ao clássico R&B de George Jackson e James Brown, aos blues de Jessie Mae Hemphill, ao jazz de Billie Holliday, ao folk/rock de Dylan e Joni Mitchell, etc. Por esta viagem à América o álbum dá seguimento até finalizar com Blue, uma música que caracteriza Jukebox na perfeição: a quintessência dos discos a tocar quando a noite vai longa, mais precisamente naquele momento em que o mundo ainda dorme, a noite finaliza e se espera o raiar do dia.

Sítios: AllMusic, MySpace





Pedro Xavier

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Esta Semana no Cinema...

O texto seguinte foi publicado no blog Deuxieme a 21 de Maio de 2008, com o título: «Estreias da Semana».


INDIANA JONES E O REINO DA CAVEIRA DE CRISTAL

Volvidos 19 anos desde a última aventura, Indiana Jones regressa ao grande ecrã, com todos os ingredientes necessários que sustentam, sem problemas, um filme renovador da saga que recorda de que material é feito um dos maiores heróis da sétima arte.

Tudo começa no improvável deserto do Nevada, em 1957, quando agentes do KGB, dirigidos por Irina Spalko (Cate Blanchett), tomam de assalto um armazém secreto de artefactos e segredos dos EUA, onde pensam estar guardada a lendária Caveira de Cristal de Akator, que esconde um poder paranormal que permite dominar a mente de toda a Humanidade; Jones (Harrison Ford) consegue escapar dos Russos, mas somente para encontrar problemas maiores, como uma pátria que dele desconfia e o investiga, um jovem impetuoso de nome Mutt Williams (Shia LaBeouf) que lhe traz informações importantes sobre o paradeiro da Caveira e da sua lenda e, ainda, o reencontro com um velho amor (Karen Allen) que esconde um factor familiar inesperado; tudo isto em viagem pela América do Sul, em fuga de uma temível URSS sedenta de poder e conhecimento extra… terrestre.

A grandiosidade de uma saga como a de Indiana Jones suscita inúmeros pontos de análise para esta obra, que residem em várias questões a reter. Primeiro, este é um regresso (esperado há anos) que comporta consigo um avanço na história da personagem (o palco da 2ª Guerra Mundial é trocado pela Guerra-Fria), bem como um avanço na visão da concepção do próprio cinema, munido agora de novas tecnologias, e como tal, este novo capítulo encerra em si novíssimos efeitos especiais e um espectáculo visual maior que qualquer filme anterior, ainda que, no entanto, tenha sido filmado numa “old fashioned way”, em alguns cenários materiais e onde Ford se mostra incansável (caramba, ele faz em Julho 66 anos!). Não falamos de superioridade em relação ao passado, mas sim a uma visão diferente e igualmente competente.

Um dos maiores pontos-chave da qualidade deste novo capítulo incide sobre o argumento, a cargo de David Koepp, que concilia a ficção da aventura com os fantasmas de um mundo bipolar (e de uma América às avessas interiormente); a “estória” base que emerge sobre a “história” real daquele período encaixa na perfeição, onde se alia uma questão arqueológica de enorme valor (a enigmática e vital Caveira de Cristal, que é o ponto de partida para Jones) com um interessante olhar sobre uma era de obsessão mundial pelo poder e conhecimento globais, onde não se olha a meios para determinar os fins (a Caveira sobre o prisma de ser “a arma mais poderosa de sempre”, ponto de partida para a URSS). Sobre estas perspectivas, O Reino da Caveira de Cristal encontra-se ao nível de qualquer outra aventura, ao fornecer o melhor que esta saga nos tem trazido: a luta pelo lugar da história (enquanto religião e factor determinante do conhecimento) no seu meio presente, por entre os caminhos fatais da tentação e corrupção que o comum dos mortais toma, ao querer dominá-la para seu benefício pessoal.

E, se olharmos para além da premissa narrativa, o que mais temos? Um herói em constante mutação, ao abrigo das mais inesperadas situações - Spielberg marca nesta realização um tom mais arrastado e pausado, que ao contrário de sugerir “desinspiração”, antes revela espaço para o natural envelhecimento do próprio Indy, presente na frase inicial "não será fácil como antes", e que é visível nas falhas dos golpes de chicote e alguns tropeções, que se apresentam, de uma forma graciosa, com mais humor no decorrer da acção, ao mesmo tempo que dão margem para que Indy mostre que a sua experiência e sapiência evoluíram decorridos os anos (é só verificar a calma e segurança com que ele lida com a KGB no assalto inicial ou com a descoberta da Caveira, na companhia de Mutt). Para além disto, é irónico olhar para Indy e ver nele as mesmas atitudes e expressões que o seu pai Henry (Sean Connery, presente na Grande Cruzada) tomava, e que ele prontamente criticava – afinal, Indy já é pai, o legado continua e por isso é necessário “educar” a mente de Mutt / Henry Jones III para o “mundo” (tal como já vimos na anteriormente referida Grande Cruzada, e que seria um excelente mote para uma próxima aventura).

Com uma demanda tão importante, a nova aventura de Indiana disponibiliza soberbos momentos de acção – sejam eles em Nevada ou nas florestas da Amazónia, em motas ou camiões, com pistolas ou espadas, em terra ou numa cascata – que nos fazem viver grandes momentos de adrenalina. Há espaço para tudo: formigas que devoram homens, caveiras com poderes sobrenaturais, templos repletos de artimanhas, estações nucleares que rebentam ou o contacto com a vida extra-terrestre (tão bem captada pelo medo global da época em questão, alimentada pelo pânico dos óvnis e da existência de outros seres sobrenaturais, hoje verdadeiros produtos da cultura popular). Toda a estória é perfeita e destaca-se das anteriores, uma vez mais, pela originalidade e pela força do seu próprio “mistério” presente no centro da narrativa, ponto fulcral patente na questão final quando Indy refere que "não quer ir por aí" face a uma descoberta excepcional, pois há coisas maiores que a vida e para lá do mero conhecimento empírico; “coisas” como a Arca da Aliança, as Pedras de Sankara ou o Santo Graal.

Apesar de tudo isto, é inevitável referir que este é o capítulo mais fraco de toda a saga – o que também não é difícil, tendo em conta que os 3 primeiros filmes são absolutamente notáveis e irrepreensíveis. Por fraco, eu entendo que não contém, por exemplo, o ritmo e suspense sufocante dos Salteadores, não mergulha numa escuridão tão mística e aterradora como a do Templo Perdido e, por fim, não recupera um reencontro familiar tão intenso como a Grande Cruzada proporciona. A juntar ao facto de Cate Blanchett estar pouco aproveitada (queríamos mais de uma actriz tão brilhante, sobretudo num registo tão único como este – é uma vilã magnífica), de os Russos não possuírem a força e malvadez que os Nazis mostraram deter noutras núpcias, bem como ainda é de notar alguma falta de carisma de Shia LaBeouf (que aguardamos que seja trabalhada nos próximos filmes), e existem ainda poucos momentos de Karen Allen; ambas as personagens necessitavam de uma presença ainda mais forte que a prestada. No entanto, o elenco funciona bastante bem, e a banda sonora de John Williams torna a recuperar os temas tão conhecidos, e dá elegância e força às cenas. São estes os únicos pontos que não permitem que se possa elevar a obra a valores máximos, pois de resto está lá tudo - absolutamente tudo - e com uma mente ainda mais aberta entre a fantasia e a realidade.

Bem vistas as coisas, este filme acaba, de certa forma, por condensar as fórmulas de todos os anteriores, e reinventa o mapa mundial e a própria personagem. O que é (foi) um risco, diga-se. Felizmente que Spielberg não perdeu mais tempo e tomou-o. O resultado é uma fabulosa viagem pelo género da aventura, onde encontramos todas as bases de um cinema americano clássico, que não desaponta e nos relembram que ninguém filma o mundo da acção e as paisagens da aventura como o genial Steven Spielberg. Cito e saúdo o Vasco Câmara, quando diz que "este chapéu só lhe serve a ele: Indiana Jones".

Ford (que na opinião de Roger Ebert - e na minha - tem um rosto como o de Robert Mitchum – não envelhece, só engrandece) revela ter voltado a vestir a pele desta personagem para recuperar "a arte de contar histórias" e "dar a conhecer em ecrã grande, que é onde se devem ver filmes, esta personagem a uma geração que só conhece Indiana Jones em DVD". Não posso concordar mais com esta afirmação, como em simultâneo duvido que pudesse estar muito mais contente com um filme como este.

Um óptimo regresso, que já fazia falta para meter na ordem todos os infiéis e medíocres copiões do género. Como este não há mais nenhum.

4 / 5

Francisco Toscano Silva

domingo, 18 de maio de 2008

Os filmes bons

Ainda relativamente a trailers, por outro lado chegam-nos as primeiras imagens do mais recente filme de Woody Allen, Vicky Cristina Barcelona, que teve ontem a estreia mundial no Festival de Cannes. Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson) são duas jovens americanas de férias na capital da Catalunha, com diferentes atitudes relativamente ao amor, que se vêm envolvidas num turbilhão de aventuras sexuais com o artista plástico Juan Antonio, interpretado por Javier Bardem, ainda sentimentalmente ligado à sua ex-mulher Maria Elena (Penélope Cruz).

Vicky Cristina Barcelona parece ser, pelas primeiras imagens, uma fusão do ambiente “cultural” de Woody Allen que vimos durante tanto tempo em Nova Iorque e, mais recentemente, em Londres, com a caracterização típica da vida citadina espanhola apresentada por Pedro Almodóvar. Apesar de Cassandra’s Dream não ter sido muito bem recebido, só por esta conjunção de factores, é de dar o benefício da dúvida. Para além do mais, é Woody Allen.




Pedro Xavier

sábado, 17 de maio de 2008

Os filmes maus

Se tivermos de elaborar uma escala de classificação simplista, teremos de minimizar as opiniões simplesmente num bom ou num mau. Dentro dos maus podemos, pois, dividir em duas subsecções, a do mau propriamente dito e a do tão mau tão mau que se torna insuportável. Esta é uma forma de abordagem crítica extremamente redutora mas, por vezes, não há volta a dar. Relativamente aos filmes, seguindo a lógica atrás referida, há aqueles que são maus, sem qualquer tipo de pretensiosismo; os outros, são aqueles que pretendem a todo o custo ser algo mais do que razoável mas, afinal, falta-lhes tudo para o serem.

A que vem isto a propósito? Foi quando visionava as mais recentes novidades nos trailers de blockbusters, que me deparei com este que abaixo se apresenta. A vantagem (chamemos-lhe “vantagem” por falta de melhor) dos filmes tipo Scary Movie, é a sua falta de pretensão em ser grande. Combinam, num conjunto sketches (não se pode chamar cinema àquilo), paródias aos filmes de sucesso, sejam de terror, românticos, acção ou comédia. Por este trailer pode-se ver, sem tirar nem pôr: Jet Li, a fazer de Jackie Chan, em cenas semelhantes a Herói (Zhang Yimou, 2002); Michelle Yeoh em cenas semelhantes a O Tigre e o Dragão (Ang Lee, 2000); um abominável homem das neves e um monstro tricéfalo vindo directamente da Grécia antiga. Isto tudo, bem misturadinho, num filme cuja personagem principal é uma espécie de Indiana Jones, com paisagens da China imperial no pano de fundo.

O facto mais triste disto tudo, é que não é uma paródia. A questão impõe-se, em qual das categorias acima referidas devemos inserir este filme? (a solução não deve ser muito difícil).



Pedro Xavier

My Blueberry Nights - Music From the Motion Picture

Foi no festival de Cannes do ano passado que o realizador chinês Wong Kar Wai apresentou a sua primeira longa-metragem totalmente rodada em solo norte-americano, My Blueberry Nights. Curiosamente, o filme nomeado para a Palma de Ouro (já anteriormente In the Mood for Love (2000) e 2046 (2004) tinham sido nomeados), estreou nas salas portuguesas, quase um ano depois, a 1 de Maio, sob o título O Sabor do Amor, contando com os actores Jude Law, Rachel Weisz, David Strathairn e Natalie Portman como estrelas de cartaz. O efeito de acção/reacção que a tradução do título possa ter causado nalgumas expectativas ansiosas de uma comédia romântica não pode ser dimensionado. Quem já conhecia a obra do autor (principalmente os dois filmes atrás mencionados) teria certamente uma ideia do que iria encontrar, ao invés do que os cartazes do filme faziam prometer. (Quase) sem surpresas para alguns, decepcionante para outros.

A verdadeira surpresa residia na atribuição do papel principal à cantora vencedora de inúmeros Grammy Norah Jones. Independentemente de se ter gostado ou não do filme, há um elemento surpreendente e agradável na escolha das músicas que preenchem os espaços da obra. Norah Jones dá também ao filme uma nova música, o tema principal, “The Story”. Piano, basses & drums, dão-lhe um toque definitivamente cool e relaxante o suficiente para que entre directamente para uma lista de músicas chill out. Uma outra artista a se ter em atenção é a cantora e escritora de músicas norte-americana Charilyn “Chan” Marshall, mais conhecida como Cat Power. A sua voz sensual em “Living Proof” e “The Greastest” são um complemento excelente à voz de Norah Jones.

Ao longo do disco podemos também encontrar um tema da cantora de R&B Ruth Brown (“Looking Back”), de Amos Lee (“Skipping the Stone”) e da cantora de jazz Cassandra Wilson (“Harvest Moon”) que, no filme, é o tema das histórias amorosas entrecruzadas de David Strathairn, Rachel Weisz, Jude Law e Natalie Portman.

Tal como uma assinatura, My Blueberry NightsMusic From the Motion Picture entrará para história cinematográfica como uma das mais expressivas selecções musicais num filme de autor.

5/5

Pedro Xavier

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Poster - Dirty Harry (1971)

Dirty Harry - A Fúria da Razão é, até aos dias de hoje, um dos mais influentes filmes policiais alguma vez feitos, abordando nos ambientes pouco atractivos de San Francisco a profundidade psicológica que caracteriza a relação do inspector Harry Calahan (Clint Eastwood) – arquétipo idealista do justiceiro solitário e desrespeitador da lei (ele é a lei) - com o psicopata Scorpio (Andy Robinson), um deambulante hippie que aterroriza as ruas da cidade, o reflexo de uma sociedade em decadência.

A imagem estilizada dos anos 70 e a marca de série B com que o filme de Don Siegel é classificado, foram ingredientes fundamentais na criação e modelização de uma maneira de produção, realização e promoção um ícone ordeiro que combatesse a revolta urbana contra a guerra no Vietname.

Uma das cenas mais emblemáticas do filme é a da já tão conhecida frase "Do You Feel Lucky?". Assim como vemos esta frase numa cena nos instantes iniciais [vídeo em baixo], voltamos a revê-la no final, mas de forma incontornável e azeda, claramente representativa do descontentamento e revolta do inspector. É, com certeza, um filme a ver e a rever.



Pedro Xavier

Ladytron

Descobrir um ponto médio entre o mundo da música electrónica e o mundo do rock torna-se numa tarefa fácil quando falamos dos Ladytron. Após três anos de interregno pontuado por datas de tournées (e algumas férias), o quarteto de Liverpool está de volta à música com o seu mais recente disco, Velocifero, o quarto gravado em estúdio desde 2001. Velocifero facilmente transcende o que é comum e confina no mesmo espaço o electro-pop com uma interpretação (dos Ladytron) de uma alma distorcida. Numa labiríntica mistura de ritmos e efeitos digitais, as duas vozes de Hellen Marnie e Mira Aroyo navegam por um caminho diverso, mas coeso, que nos levará indubitavelmente à pista de dança.

A primeira música lançada no sítio dos Ladytron, Black Cat, requer alguma paciência. Durante 2 minutos, Mira canta em Búlgaro (inicialmente era para ter sido em Francês), numa hipnótica sinfonia de batidas que acabam por se tornar maçadoras. Apesar deste início desastroso, as músicas que se seguem, principalmente, Ghots, Runaway, The Lovers, Deep Blue e Versus, são aquelas que, apesar de seguirem o caminho mais mainstream iniciado em Witching Hour (2005), não nos fazem esquecer a origem indie que molda os Ladytron.

Sítios: Oficial, AllMusic, MySpace

4/5

Pedro Xavier

Três novos trailers

O texto seguinte foi publicado no blog Deuxieme a 15 de Maio de 2008, com o título: «Novas imagens a descobrir».


O Verão aproxima-se e com ele mais uma bela fornada de cinema. Aqui vos deixo 3 trailers de obras que esperamos com entusiasmo (Hellboy II), curiosidade (Hulk) e busca da verdade (Ficheiros Secretos), mas ainda que cientes de possíveis desilusões. Certo é que Hulk tem pontos para ganhar, mas só se apostar na transformação de novos caminhos para a personagem, pois o resto ninguém o fez melhor que Ang Lee (num filme tão injustamente maltratado) e as primeiras imagens parecem "bater" um pouco no ceguinho, ainda assim tem bom aspecto; quanto aos Ficheiros Secretos, existem muitas respostas para dar e esperemos que a trama não cresça de mais e perca o seu rumo... e para finalizar, Hellboy parece estar em máxima força para uma aventura ainda maior. Sem mais demoras, comecemos por...


The Incredible Hulk


The X-Files: I Want to Believe


Hellboy II: The Golden Army

Francisco Toscano Silva

domingo, 4 de maio de 2008

Poster - King Kong (1933)


King Kong foi, em 1933, um dos primeiros filmes a combinar os habituais trajectos e maneirismos da representação clássica com as emergentes técnicas de efeitos especiais, tornando-se então num ícone para Hollywood e num modelo a ser seguido pelos inúmeros realizadores que consagraram a chamada série B, caracterizada por pôr de parte a evolução da narrativa como fio condutor em função de melhores técnicas visuais.

Não deixa de ser, portanto, uma situação perversa e ambígua quando se considera King Kong um clássico da história do cinema e um dos percursores de toda uma indústria, que hoje em dia é tida como desacreditada (já lá vão os gloriosos anos 50 e 60). O mais recente exemplo está no falhanço do remake homónimo realizado por Peter Jackson que, tendo em vista uma digna homenagem, conseguiu tornar o filme um imbróglio de cansativos efeitos digitais sem qualquer elo de ligação às sensações vividas pelo espectador. Como se fosse um greatest show on earth, aqui fica o poster do grande Kong, o único que consegue sobreviver à passagem do tempo.

Pedro Xavier

sábado, 3 de maio de 2008

Esta Semana no Cinema...

O texto seguinte foi publicado no blog Deuxieme a 3 de Maio de 2008, com o título: «Estreias da Semana».


HOMEM DE FERRO

Os destaques da semana começam pelo primeiro blockbuster de Verão (entenda-se que o "Verão cinematográfico" começa sempre antes da estação em si), que chegou esta quinta-feira às salas portuguesas, e refira-se, com pompa e circunstância. Homem de Ferro é o mais recente filme de Jon Favreau (realizador de Zathura — Aventura no Espaço e Elf — O Falso Duende), que junta um elenco muito forte onde Robert Downey Jr. e Gwyneth Paltrow se afirmam de uma forma extremamente graciosa. Partindo das origens deste famoso super-herói criado por Stan Lee (que possui um hilariante cameo confundido na pele de Hugh Hefner) nos anos 60, Homem de Ferro conta a história de Tony Stark (Robert Downey Jr.), um bilionário génio da invenção científica, que se afirma como um dos maiores expoentes da indústria bélica dos EUA. Após ser raptado por forças terroristas num país hostil, Stark vê-se obrigado a construir uma máquina de armamento e destruição para sobreviver, e ao ganhar contacto com uma realidade que desconhecia mas ajudou a criar, Stark vai inverter a missão da sua vida ao salvar todos do mal que semeou com a sua actividade.

O Homem de Ferro foi inicialmente criado sobre o prisma da realidade do Vietname, mas isso não causou entrave a Favreau, que readapta as coordenadas e vira-se para ao Médio Oriente, sobre um olhar irónico da reconversão da personagem de Stark (e que nos faz pensar uma vez mais sobre as actuais políticas de guerra e conflito mundiais). O resultado é um filme absolutamente bem conseguido, dotado de vários ingredientes que lhe dão uma frescura e beleza irreprensíveis. O argumento é soberbo e bem construído, servido com prestações fabulosas de todo o elenco, onde ainda se destacam Jeff Bridges num vilão de peso e Terrence Howard como parceiro e amigo do herói; mas é para Downey Jr. que os aplausos se acentuam em força - seja pelo facto de confirmar que é um dos actores maiores das últimas décadas, como também pela questão de mestria utilizada a vestir o papel desta complexa e interessante personagem, que apesar de famosa, nunca obteve junto do público uma atenção como o Homem-Aranha ou Super-Homem ou Batman obtiveram. É por isso brilhante ver como o carisma e o ar dandy e cool de Downey Jr. se misturam na perfeição com o de Tony Stark, tão bem equilibrado pela sua assistente Virginia "Pepper" Potts - a deliciosa Gwyneth Paltrow). De resto temos acção trepidante, uma excelente banda sonora, um ritmo narrativo que não conhece tempos mortos e uma aposta mais do que ganha sobretudo para a Marvel Studios, que se estreia, com este filme, no total financiamento de uma super-produção para a Sétima Arte. Estamos, de facto e em suma, perante cinema de ferro, onde falta muito pouco para se atribuírem valores máximos.

4/5


MY BLUEBERRY NIGHTS - O SABOR DO AMOR

A semana traz ainda outro doce, desta vez pelo olhar de Wong Kar-Wai. Chega-nos, finalmente, My Blueberry Nights (entre nós O Sabor do Amor), filme que marca a estreia de Norah Jones no cinema (uma subtil e fascinante estreia refira-se: parece que estamos perante o nascimento de uma estrela). Jones é a (inicialmente) desamparada Elizabeth, a personagem principal (e elo de ligação) que se vê a braços com um desgosto amoroso e encontra conforto em Jeremy (Jude Law), um dono de um simpático café com muitas estórias para contar. Iniciando uma viagem pela América mais profunda, Elizabeth vai, inevitavelmente, chocar com várias personagens (interpretadas por Rachel Weisz, David Strathairn e Natalie Portman) igualmente recheadas de questões e problemas de soluções subjectivas, onde os obstáculos do amor e da comunicação ganham terreno sobre a sobriedade do lado racional. Um caminho observado pelo lado mais humano dos seres, que vai orientar Elizabeth a construir o seu próprio rumo.

Wong Kar-Wai constrói aqui um filme difícil, seja pela temática como pelo efeito visual tão carregado, que se transforma praticamente no ar em que todos respiram, mas que se demonstra possuidor de uma beleza rara. Apesar de deixar alguns pontos soltos, Kar-Wai filma, de uma forma exemplar, uma viagem ao mais íntimo dos sentimentos, sejam eles movidos pela mais variadas forças exteriores / interiores, e presenteia-nos um grandioso objecto de cinema, onde Norah Jones e Jude Law se vestem num par improvável, mas espantosamente bem conseguido e carregado da maior vulnerabilidade possível, ainda que mascarada sobre a doçura do amor. É uma obra a não perder, que vive de um encruzamento de emoções bastante real e tão tangente a qualquer um de nós, suspenso num audacioso jogo de estética de luzes e cor, que ganha um lugar absolutamente mítico no interior de cada uma das personagens e de nós próprios, que nos perdemos por completo na magia deste cinema e desta visão. Ainda que sem a genialidade de Disponível para Amar (2000), My Blueberry Nights é, ainda assim, um triunfo; uma obra superior de enorme relevo e qualidade.

4/5

Francisco Toscano Silva